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de pobreza, como sejam o baixo rendimento dos agregados, a dimensão dos
agregados familiares, a baixa escolaridade e as pertenças étnicas.
Quanto ao acesso económico, constata-se que as mulheres muito pobres
apresentam incapacidades financeiras para comportar custos com a compra de
medicamentos muito superiores às restantes, constituindo-se esta como uma
característica forte para explicar a sua condição social actual.
Em termos de utilização de cuidados de saúde reprodutiva percebe-se que as
mulheres muito pobres são caracterizadas por baixa frequência das consultas
de revisão do parto, com todas as eventuais implicações no seu estado de
saúde.
Um aspecto pertinente prende-se com a sistemática aproximação das mulheres
pobres às muito pobres, distanciando-se em quase tudo das mulheres não
pobres. Ou seja, existe um número considerável da nossa população “média”
com vulnerabilidades, que deveriam merecer uma atenção prioritária em
termos de políticas sociais (nomeadamente, na área da saúde, do trabalho e do
apoio social).
Assim, é de enfatizar a importância de haver uma adequação das políticas de
saúde no sentido de assegurar que as populações mais vulneráveis consigam
utilizar de forma apropriada os cuidados de saúde reprodutiva.
Estudo Qualitativo
Foi efectuado um estudo qualitativo, através de realização de entrevistas e
grupos focais. Concretamente, foram feitas oito entrevistas e dois grupos focais
a mulheres provenientes de diferentes contextos socioeconómicos (pobreza e
não pobreza), num total de 18 indivíduos. Foram conduzidos dois grupos focais
a profissionais de saúde (enfermeiros e médicos), num total de 15
participantes. E realizados quatro grupos de discussão a técnicos de serviço
social, num total de 36 participantes. Todas as entrevistas e grupos focais
foram gravados, seguindo-se a sua transcrição integral. Os dados foram
analisados com base nos procedimentos de análise de conteúdo habituais no
âmbito de abordagens qualitativas. No que diz respeito aos grupos focais,
procedeu-se a uma análise categorial temática.
Através da análise das representações de fecundidade percebe-se que para as
mulheres, independentemente do grupo socioeconómico a que pertencem, o
melhor e o pior dos filhos, envolve três níveis: os sentimentos, o desempenho
das funções parentais e as privações. E a maioria das mulheres assume que
foi através de amigos, dos media e/ou de vizinhos que obteve as primeiras
informações sobre os métodos contraceptivos. Revelando ainda a inexistência
de influência familiar, especialmente das mães, na transmissão desses
conhecimentos e informações sobre contracepção, em todos os grupos
socioeconómicos. Aliás, a percepção generalizada é de que o sexo foi um
assunto tabu na educação destas mulheres. Muitas das mulheres no estudo
descrevem uma preparação inadequada para o sexo e contracepção na
primeira gravidez, acontecendo esta como resultado de impreparação e não de
planeamento.
Encontram-se semelhanças entre as mulheres provenientes de diferentes
gradientes sociais, mas também se encontram diferenças, nomeadamente,
acerca do papel do parceiro masculino no planeamento familiar e no
planeamento das gravidezes. Existe uma diferença entre mulheres
provenientes de grupos socioeconómicos distintos (muito pobres e pobres
vs
.
não pobres) relativamente ao papel do parceiro na contracepção: não utilização
do preservativo porque companheiros “não aceitam”
vs
. as mulheres que
assumem que as decisões quanto à contracepção são e foram sempre da sua
responsabilidade.