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A n a i s d o I HM T
implementação compreendessem as suas finalidades e
usos (
ibidem
, 2016).
Essa dinâmica permitiu levantar e discutir, ainda, a rela-
ção dos técnicos responsáveis pelo sistema nos seus dois
polos, o DEMAS e as áreas técnicas, trazendo contro-
vérsias na relação entre esses vários
actantes
. Na medida
em que os encontros foram acontecendo a elaboração
de pareceres mais claros e a apreensão da importância
de um bom material informativo produzia melhorias no
processo de implementação da ferramenta e-Car.
O entendimento da centralidade das atividades de for-
mação continuada dos técnicos envolvidos na imple-
mentação de programas para a sua evolução e sucesso
é discutida por alguns autores no campo da avaliação
(Hartz, 1997; Clavier, Vibert, Potvin, 2012; Figuei-
ró
et al
.; 2014; 2016). Na análise da evolução de in-
tervenções complexas, que ao mesmo tempo que so-
frem influência do contexto, influenciam e provocam
mudanças no ambiente onde se inserem, as atividades
educativas, especialmente com abordagens participati-
vas e dinâmicas, favorecem a troca de experiências e
inovações, discussão das dificuldades e orientação para
reformulação das ações.
Alinhado a esta perspetiva, o DEMAS propôs e integrou
importantes processos de formação no seu quadro téc-
nico, incluindo atividades como: o apoio ao Programa
de Mestrado Profissional emAvaliação e Saúde; a reali-
zação do Curso de Especialização emAvaliação em Saú-
de e um conjunto de oficinas de treinamento em M&A,
dividido em três módulos de 20 horas cada. Buscou-se,
com essas estratégias a construção de capacidade para a
implementação e perceção da importância do sistema
para a translação do conhecimento dentre as diversas
áreas estratégicas e de gestão da saúde e do SUS.
Os
actantes
, suas interações
e subjetivações nas práticas do e-Car
A implementação de intervenções compreende sempre
uma intrigante interação entre
actantes
humanos e não-
-humanos, que pode ser observada no caso do sistema
e-Car e seus usuários. A relação por vezes antagónica,
de aproximação e afastamento com a ferramenta, de-
veu-se a distintas razões: seja pela dificuldade no preen-
chimento, outras vezes pela dificuldade de captação e
entrega das informações exigidas e por momentos polí-
ticos em que a ferramenta foi descontinuada.
Ao longo desse processo, múltiplas subjetivações foram
implicadas na relação técnicos-DEMAS-e-Car. Proces-
sos de subjetivação incluem as diversas maneiras pelas
quais os indivíduos se constituem como sujeitos e atuam
nos jogos de poder buscando resistência.Tais processos
só valem na medida em que, quando acontecem, esca-
pam tanto aos saberes constituídos como aos poderes
dominantes (Deleuze, 2004).
Como exemplo de resistências institucionais pode
observar-se, no acompanhamento da chegada dos pa-
receres ao e-Car/DEMAS, por vezes a dificuldade de
tradução do texto em alguns documentos. Estes apre-
sentavam-se, nessa observação, construídos como co-
lagens, peças burocráticas, sem especial preocupação
com a compreensão do próximo leitor, que poderia ser
um gestor e/ou um tomador de decisão para o SUS.
Cabia aos responsáveis no DEMAS receber este mate-
rial, a sua leitura e a avaliação da condição técnica para o
texto constar como documento do e-Car. O fluxo dessa
atividade compreendia, na sequência, o contacto com o
responsável na área técnica e a solicitação para revisão.
Essa era uma situação percebida como um constrangi-
mento. Noutras ocasiões era solicitada reunião na área
técnica que apresentou dificuldade no preenchimento
do relatório, visando a melhoria do texto ou esclare-
cimentos pelo não envio do relatório conforme o cro-
nograma.
“é preciso melhorar o preenchimento do e-Car e criar
esta cultura de escrever dentro de um padrão acessível
na estrutura da escrita, conforme foi indicada.”
(Inf 1)
“Pegou-se como exemplo um monitoramento do REM
que foi assinalado como cancelado; o responsável parou
de monitorar e não deu justificativa do cancelamento
no relatório. Foi comunicado por email a necessidade de
uma justificativa. ...Quem é o responsável da secreta-
ria? Liga-se para ele.”
(Inf 2)
Sabe-se que para uma realidade existir não se pode
recorrer apenas à ciência ou inserção de um sistema,
como o e-Car; é necessário ação e trabalho. Exige-se
ato de vontade. Esta vontade está por vezes ligada a uma
motivação pessoal e/ou coletiva; outras vezes o agente
desta vontade é o direito moderno através das regula-
ções. Este esforço de manutenção de uma realidade é
múltiplo e em rede, envolve inúmeras pactuações mes-
mo que improváveis e invisíveis. “É ao nível de cada ten-
tativa que se avaliam a capacidade de resistência ou, ao
contrário, a submissão a um controle” (Deleuze, 1990).
A relação dos responsáveis nas secretarias pelo envio
dos relatórios era percebida, por alguns técnicos, como
obrigação de fazê-lo, sem envolvimento e/ou implica-
ção.
“Nas reuniões de Gestão, de quatro em quatro meses, o
pessoal nutre o e-Car porque sabem que serão cobrados dos
gestores”
(Inf 3).
Percebeu-se nas oficinas a ocorrência de uma complexa
relação dos usos da ferramenta com os humanos que a
preenchiam. Ora como um meio de controle e vigilân-
cia do fazer técnico das secretarias; ora como inibido-