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Introdução
No Espírito Santo, de forma diferente do que ocorria no Rio
de Janeiro, em São Paulo, em Minas Gerais e em outros esta-
dos brasileiros, a lepra parecia não existir. Não são encontra-
dos relatos significativos a respeito da doença nos relatórios
dos Presidentes de Província, entre 1842 e 1888 ou nas men-
sagens governamentais apresentadas ao Congresso Legislativo,
entre 1889 e 1913. No tocante à saúde ou higiene pública o
que encontramos nestes documentos são as ações empreen-
didas para controlar os surtos epidémicos de febre amarela,
malária, varíola, tuberculose, sarampo e outras doenças não
identificadas que, da mesma forma, levaram muitas pessoas
a óbito. Nestes relatórios, há, também, a forte preocupação
com o saneamento e higienização, principalmente para a cida-
de deVitória, capital do estado, importante centro económico
voltado para o comércio marítimo [1,2].
Duas ocorrências foram identificadas como sendo casos de le-
pra durante este longo período: a primeira foi relatada pelo
Presidente da Província Marcellino de AssisTostes, em seu re-
latório governamental, a respeito da notificação do Provedor
de Saúde Pública, em setembro de 1881, sobre a ocorrência
de um caso numa mulher, na cidade deVitória. Por determina-
ção do Ministério do Império, a doente foi encaminhada para
o Lazareto de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, por não exis-
tir local adequado para recebê-la [1]; a segunda ocorrência foi
apontada na estatística demógrafo-sanitária, em 1917, como
sendo a
causa mortis
de uma mulher [3].
Esta situação se manteve ainda por alguns anos, apresentan-
do registros de poucos casos de lepra no Espírito Santo em
contraste com a situação geral do Brasil.
O ano de 1920 trouxe fortes mudanças na política de saú-
de pública para o Brasil. Como resultado do intenso esforço
efetuado pelo movimento sanitarista no país, ocorrido du-
rante a década de 1910, foi aprovado no Congresso Nacional
a lei que determinava a criação do Departamento Nacional
de Saúde Pública (DNSP), subordinado ao Ministério da Jus-
tiça e Negócios Interiores. O principal aspecto da criação
desse órgão foi a possibilidade de atuação do Governo Fe-
deral nos assuntos referentes a saúde pública nos Estados da
federação, através de convénios estabelecidos com os Gover-
nos Estaduais [4,5].
A lepra, a tuberculose e as doenças venéreas, que não vinham
sendo consideradas como graves problemas de âmbito na-
cional, receberam destaque com a organização trazida pelo
DNSP. Para atender essas doenças foram criados serviços es-
peciais. No caso especifico da lepra, subordinado diretamen-
te ao diretor do DNSP e com abrangência para todo o país,
foi criado um serviço para a profilaxia contra a lepra e contra
as doenças venéreas [6]. Dando forma a esse serviço, em de-
zembro de 1923, o decreto 16.300, aprovou o regulamento
do DNSP instituindo a Inspetoria de Profilaxia da Lepra e
DoençasVenéreas [7,8].
Acompanhando as mudanças no âmbito da saúde pública,
ocorridas no Distrito Federal
1
, em 1920, com a criação do
Departamento Nacional de Saúde Pública, o Governo do
Espírito Santo resolveu transformar, em 1921, a existente
Diretoria de Serviços Sanitários em Delegacia Geral de Hi-
giene, com subordinação à Secretaria de Interior do Estado.
Esta nova configuração possibilitou a celebração de um con-
trato com o DNSP para execução de serviços de profilaxia e
saneamento rural iniciado pela instalação de postos em três
cidades localizadas ao norte, centro e sul do estado. Neste
mesmo ano, foi efetivado acordo com a Comissão Rockefel-
ler para monitorar a profilaxia das referidas doenças no vale
do rio Itapemirim [2].
Em 1922, a partir de novo contrato firmado entre o Governo
do Espírito Santo e o Governo Federal, foi criado o Serviço de
Profilaxia Rural, sendo criada, como sua subordinada, a Inspe-
toria de Profilaxia da Lepra e DoençasVenéreas [3].
Com o objetivo específico de executar serviços referentes à
profilaxia de doenças venéreas, em fevereiro de 1927, foi es-
tabelecido um novo contrato entre o Espírito Santo e o Go-
verno Federal. Nesta oportunidade, foi indicado para chefiar
a Inspetoria de Profilaxia da Lepra e DoençasVenéreas o mé-
dico Pedro Fontes, transferido do Serviço de Saneamento
Rural do Distrito Federal [3].
No mês de julho deste mesmo ano, foi publicado o Censo de
Leprosos do Brasil, pelo médico Oscar da Silva Araujo, Ins-
petor Chefe de Profilaxia da Lepra e DoençasVenéreas, onde
consta que no Espírito Santo existiam vinte e dois leprosos
fichados entre os anos de 1922 e 1927, dos quais 9 já haviam
sido fichados no Distrito Federal. Segundo este documento
oficial, o Espírito Santo aparece como sendo praticamente
indene à lepra considerando-se o baixo índice representado
por treze doentes para uma população de quatrocentos mil
habitantes [3].
A chegada de Pedro Fontes à Inspetoria, em agosto de
1927, trouxe importantes mudanças ao quadro da lepra no
Espírito Santo. Em relatório apresentado em 1928, Pedro
Fontes diz:
Quando assumi a direção deste Serviço encontrei, realmente
fichados pelo extinto Serviço de Prophylaxia Rural, – que
aqui funcionara cerca de 5 annos e junto ao qual havia um
serviço de Lepra e Doenças Venereas, - apenas 22 leprosos.
No fim de algum tempo verifiquei que esse número estava
áquem da realidade e resolvi fazer um inquérito. Percorri
todo o estado, entendendo-me pessoalmente com os médicos
de diversas localidades e cheguei à conclusão de que havia
no estado do Espírito Santo mais de 200 leprosos.
Com o prosseguimento do censo empreendido por Pedro
Fontes a quantidade inicial estimada não só se confirmou,
como foi ultrapassada consideravelmente; no relatório apre-
sentado em agosto de 1929, chegou-se a 150 leprosos regis-
trados, com maior concentração de leprosos em cinco cida-
des. No final de 1930, o censo chegou ao número total de
Doenças, agentes patogénicos, atores, instituições e visões da medicina tropical