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A n a i s d o I HM T
e constituíram um território de doente e miserável, abandonado
pelo poder público, ficando a mercê dos cuidados de grupos so-
ciais que muitas vezes eram responsáveis por conflitos existentes
no local.
Segundo o depoente C. T. os doentes se “escondiam e quando
as pessoas descobriam que tinham lepra e iam ser pegas fugiam
e viam para cá, para este lugar. (...) Esse lugar era uma fazenda
abandonada, tinha um lixão da prefeitura e as pessoas escondiam
seus filhos (...) para não serem tomados”.Outro registro sobre o
assunto foi feito pela senhoraAna Coelho Cesário [15].Após 20
anos de confinamento na Colónia Santa Marta a depoente fugiu
e foi morar no território do refúgio. Ela relata sobre o filho que
teve na Colónia “as veze eles só mostravam a carinha e carrega-
vam logo... Hoje meu filho caçula teria 45 anos. Não me mos-
traram a certidão de óbito, nada dele”. A entrevistada saiu nos
anos de 1980 da Colónia Santa Marta e foi residir no território
do refúgio com dois filhos que teve antes de ir para a instituição e
que foram criados pela sogra, além deles também conviveu com
os dez netos e sete bisnetos.
Outra residente do território do refúgio foi MSS que afirma
que chegou ao território do refúgio com “o filho nos braços” em
1969. Ela diz “quando descobri que tinha esse lugar onde não
roubavamnossos meninos, nempensei duas vezes”. Ela não fugiu
de Colónia, mas saiu de cidade do interior do estado de Goiás.
Nascida no território do refúgio a depoente M.D. contou que
seus pais tiveram cinco filhos na Colónia Santa Marta e todos
foram retirados ao nascer do convívio familiar. A mãe e o pai
fugiram da Colónia para ter e criar seus filhos. A depoente foi
aprimeira dos três filhos da senhora M..
A figura 5 apresenta registro fotográfico dos anos de 1960 no
qual estão presentes crianças, filhos dos doentes que ali residiam.
Na figura o uso do território para refúgio
estava consolidado,
delimitado por grupos familiares ou indivíduos que se agregavam
as famílias ali
instaladas.Ascrianças estavam presentes nas mora-
dias. Uma entrevistada relata que o principal pavor das mulheres
que tinham a doença era de não poder criar seus filhos, uma vez
que eles eram separados de suas mães ao nascer.
A depoente M.D. assim afirma sobre sua infância: “era uma al-
deia, a gente conhecia todo mundo.A gente corria e brincava na
rua. Não tinha hora, não tinha medo”.O depoimento expressa o
sentimento de pertencimento por meio da materialização das re-
lações estabelecidas entre as crianças e o território do refúgio.
O vínculo afetivo entre os residentes do território foi outro
registro importante nos depoimentos. Eles construíam mo-
radias coletivamente, colaboravam uns com outros, tanto na
distribuição de alimentos, vestuário, como nos cuidados com
os mais doentes. A solidariedade é capaz de criar territorialida-
des. Nem sempre as moradias eram construídas com tijolos e
cimento, no início da ocupação do território refúgio, segundo
depoente M.: “o pessoal comia [...]
A casa era de lata. Um tava comendo
e o outro espantando os mosquitos”.
As mudanças nas condições de mo-
radia foram ocorrendo na década de
1960 por causa da introdução e ou-
tros moradores, não mais os doentes.
Nos documentos coletados não há
registro de conflito entre moradores
doentes/sãos, pelo contrário, alguns
destacam que ocorriam casamentos
entre eles, pois era uma forma de
permanecer e usar o território. Dona
D. narrou que “na época minha mãe
conheceu este homem e casou. Ela
Fig. 5:
Fotografia de crianças, filhos de doentes residentes no Morro (1960). Fonte:Arquivo Morhan (Anápolis).
Fig. 4:
Localização do Leprosário deAnápolis e do Refúgio dos Leprosos