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subvenções e doações da Prefeitura e de empresários para sua

manutenção. Conforme mencionado na citação do estatuto, o

Lazareto Bom Jesus teria autonomia administrativa de 1932 a

1947. Em publicações no Jornal Annapolis encontrou-se re-

gistros de prestação de contas, especialmente, quando a Insti-

tuição recebia parte dos rendimentos das licenças de diversões

emitidas durante as festividades religiosas realizadas na cidade.

Além da manutenção do funcionamento a verba também era

utilizada para ampliação do Lazareto.A Sociedade de SãoVicen-

te de Paulo [10] informava que aumentou o número de doentes

que procuravam o leprosário e também que estavam recebendo

mendigos.

Trata-se de um aumento que, provavelmente, refletia o recen-

seamento realizado emAnápolis para o recolhimento de leprosos

que viviam dispersos nas ruas da cidade. Em 1943, [11] foi anun-

ciada a construção da Colónia Santa Marta em Goiânia, capital

do estado de Goiás. E, na edição de março de 1941 do Jornal

OAnnapolis, [12] um doente residente no Lazareto Bom Jesus

agradece à população do município pelos benefícios recebidos,

destaca o trabalho de James Fanstone e sua enfermeira Mary;Ar-

lindo P. Cardoso; Brasil Xavier Nunes e Moacyr Romeu Costa,

e finaliza a nota anunciando que eles (leprosos) estavam sendo

transferidos para Colónia Santa Marta.

Nesse momento a população leprosa atendida pela Sociedade

SãoVicente de Paulo desterritorializa-se e se territorializa na ca-

pital do estado de Goiás. A territorialidade da lepra tem, nesse

momento, novo endereço, isolado, localizado 8 km da nova ca-

pital e de difícil acesso. O território era uma cidade-hospital (fig.

3), posto que lá havia moradia, trabalho, lazer, cemitério, cadeia,

etc., bem como 70 km

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de terra para cultivo agrícola, atividade

utilizada como terapia por meio do trabalho. Ela possuía estru-

tura arquitetónica dividida em zonas: sadia; doente e observa-

ção. Este modelo privilegiava o risco zero. Apesar da estrutura

de isolamento que havia na Colónia ainda se registrava fuga de

considerável número de doentes [13].

Nos anos de 1950, parte dos leprosos que foram isolados na Co-

lónia Santa Marta retornaram para Anápolis e se territorializa-

ram nas cercanias da área urbanizada de cidade que, posterior-

mente, foi denominado “Morro do Cachimbo”.

A territorialidade do leproso

Nos anos de 1950 fugitivos da Colónia Santa Marta e pessoas que

eram identificadas como portadoras de lepra territorializam-se

no espaço vizinho aquele pertencente à Sociedade SãoVicente de

Paulo (fig. 4). O território usado na (re) ocupação caracterizava-

-se como área de declive e aclive elevado, facto que evidencia

o aparecimento de processos erosivos com presença de ravinas

e voçorocas que comumente transformavam-se em depósito de

resíduos diversos. Os resíduos depositados eram gerados pela

população da cidade de Anápolis. O território usado era degra-

dado e promovedor de doenças, já que seus habitantes conviviam

com as espécies transmissoras (ratos, baratas, mosquitos, etc).

O território refletia o homem e o homem o território.A Fig. 4

apresenta a localização do leprosário gerenciado pela Sociedade

SãoVicente de Paulo e o território “refúgio”.

Emmeados da década de 1950 o território usado pelos leprosos

transformou-se em refúgio, e no decorrer dos anos 50 ocorreu o

aumento dos “esconderijos”, conforme o depoente C.T. referin-

do-se às casas construídas pelos doentes. Os doentes enfrenta-

vam, segundo relato oral do entrevistado C.T.,“a polícia sanitária

(que) pegava os doentes e os levavam para as colónias que eram

institucionalizadas... E lá elas ficavam”.Vários relatos registram

a relação dos leprosos com o poder público, afirmando, entre

outros: “sabe o que é esconder do governo para não ser caçado”

M.A. entrevistada relata ainda que havia um medo profundo de

serem encontrados e levados de volta para as Colónias.

C.T. diz “Isso aqui era um campo de refugiados, um quilombo

que a gente chama... nós éramos tratados como seres de um

purgatório, onde as madames traziam um chá, um bolo alguma

coisa(...) E davam esmola e iam embora com a alma lavada (...)

A gente foi muito usado(...)”. Além das doações mencionadas

pelo depoente, os empresários locais também doavam alimentos

e vestimentas. Nos anos 1950/1960 população de miserável sã

residente em Anápolis migrou para o território do refúgio em

busca das doações.

O depoente C.T. aponta o uso do território pelos diferentes ato-

res, pois o poder público o usou-o como depósito de resíduo; o

doente como espaço de moradia; a classe rica da sociedade lo-

cal utilizou-o para expressar

sua ‘generosidade’ para com

o outro; e, o miserável para

obter alimento. As ações dos

atores remetem que a terri-

torialidade é uma tentativa,

por indivíduo ou grupo, de

controlar pessoas ao delimi-

tar e assegurar seu controle

sobre certa área geográfica

[14].

Para assegurar o controle so-

bre o território do refúgio se

agregaram aos leprosos a po-

pulação de extrema pobreza

Fig. 3:

Fotografia do pavilhão de confinamento compulsório da Colónia Santa Marta. Fonte: Jornal “O Popular”, 1989.

Doenças, agentes patogénicos, atores, instituições e visões da medicina tropical