61
A n a i s d o I HM T
cidades do estado de Goiás e junto aos sãos também
vieram os doentes de lepra. O aumento de pessoas
identificadas com a doença impulsionou os membros
da Sociedade SãoVicente de Paulo (entidade que se
encarregava de prestar assistência aos pobres e doen-
tes na cidade de Anápolis) a manifestar-se a favor da
construção de uma casa para isolamento dos lepro-
sos, afirmando que eles estavam causando problemas
para a população local [7]. Segundo registro no diário
da enfermeira inglesa Mary Hamilton [8] era comum
encontrar nas estradas que ligavamAnápolis a outros
municípios leprosos perambulando com o objetivo
de se esconderem. Ela também relata sobre as festi-
vidades religiosas e o número expressivo de “miserá-
veis leprosos” mendigos espalhados, pedindo esmolas
e orações.
Os doentes estavam pulverizados pela cidade e em
contrapartida a sociedade expressava o medo da con-
taminação, onde [9] a doença é endémica, ela pode
parecer um poder implacável que a deifica e a trans-
forma em um poderoso ser sobrenatural que deve
ser aplacado. E é nesse cenário que o médico inglês
James Fanstone e sua equipa tratavam, no subúrbio
da cidade, os doentes de lepra.Mas não era suficiente
para atender a demanda e o controle da doença.
Em Anápolis, no ano de 1931, ocorreu o ato públi-
co para isolar os leprosos que circulavam livremen-
te, especialmente, aqueles que viviam as margens do
corpo d’água que abastecia a
cidade.Asmanifestações
iniciaram pelos produtores rurais que denunciaram
os doentes de contaminarem a água que era utiliza-
da na produção agrícola. Em março do ano citado a
Sociedade SãoVicente de Paulo assumiu a liderança
no processo de abertura de um local próprio para o
atendimento.
Em 18 de outubro de 1931 a Sociedade propôs que a prefeitura
doasse o terreno para construção do leprosário e, em contrapar-
tida, ela se responsabilizava pelos doentes e, em 15 de dezembro
de 1931, foi doado o terreno pela Prefeitura Municipal de Aná-
polis à referida instituição. O documento de doação registra:
sendo a Prefeitura de Anapolis, senhora e possuidora de um ter-
reno de cultura e campos, com 5 alqueires mais ou menos, divi-
dido, situado no logar antigamento denominado ‘fasenda Lagôa
Formosa’,imediações desta cidade,havido por doação feita pelos
condôminos da referida fazenda dôa, como efetivamente doado
tem, um alqueire de 4 hectares e 84 ares de terreno a donataria
conferencia de S.Vicente de Paulo de Anapolis para fim especial e
debaixo da expressa condição de nele ser edificado casa ou casas
para leprosos; e neste caso ficará pertencente à Conferencia toda
a posse e domínio do referido terreno.
Em 1932, no ano da inauguração, a Instituição contava com a
presença de 65 internos.A localização da área doada era na épo-
ca, conforme demonstrado na figura 2, distante do centro da ci-
dade, caso considere-se os meios de transporte e condições das
estradas de acesso da época. Inicia-se emAnápolis o instinto de
defesa do território contra o perigo da doença e de suas epide-
mias. O território da doença delimitou-se, pois ficou imposto o
cordão sanitário. O terror ao contágio perturbou a razão do são
e o doente tornou-se vítima e causador do mal.
O estatuto da Sociedade São Vicente de Paulo de março de
1932 diz no Art 4º: “[...]A Conferência foi fundada para os
fins seguintes [...] e) continuar a manter o asylo de S.Vicen-
te de Paulo desta cidade, onde serão internados a critério
da Conferência, os pobre socorridos f) manter ainda, quan-
do lhe permitirem as posses, o Lazarêto actual, que passa a
denominar 'Lazareto/Bom Jesus', para o isolamento e ma-
nutenção dos leprosos [...] Art. 13º. Compete ao presiden-
te [...] nomear as comissões administrativas do asylo de S.
Vicente de Paulo e do Lazareto Bom Jesus, as quais serão
autônomas quanto à parte administrativa [...]”
O cuidado com os leprosos residentes em Anápolis tornou-se
uma obrigatoriedade da Sociedade Vicentina condicionada a
Fig. 2:
Localização do Leprosário de Anápolis, Asilo e Sede da Sociedade São Vicente
de Paulo (1930-1940)