Table of Contents Table of Contents
Previous Page  64 / 210 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 64 / 210 Next Page
Page Background

64

não era doente. Ele era doente. Então naquela época se a

pessoa morava com o doente ele podia ficar aqui”.

De acordo com os depoimentos de C.T. e de M. instituições

religiosas que ali instalaram suas sedes e faziam parte do que

era denominada de diretoria que controlava o território. Ela

era responsável pelo controle dos doentes e atribuía poder

de vigilância a outros doentes.Afirma C.T. que os “ próprios

doentes eram os policiais daqui”. Ainda o depoente afirma

quem “(...) não obedecesse era expulso. Colocavam suas bu-

gigangas dentro de um caminhão e jogava lá para fora como

se fosse cachorro”.

Segundo o depoente C.T. por determinação da diretoria

,

nos

anos 1960, havia “horário de recolhimento, proibições de bebi-

das alcoólicas e cigarros, entre outras restrições estabelecidas”.

O território usado pelos doentes, como mencionado, consti-

tuía-se de área degradada (voçorocas, por exemplo). Também

havia cemitério clandestino no território usado, no qual eram

enterrados os leprosos. Conforme relatos dos depoentes o ce-

mitério localizava-se onde hoje está a sede do Morhan. Ele foi

desativado nos anos de 1980 e os restos mortais foram retirados

(pelos próprios moradores) e levados para o cemitério munici-

pal, mas segundo informação de depoente C.T., ainda são en-

contrados restos de ossos no antigo cemitério.

Algumas considerações

O território do refúgio tratado neste artigo tem na se-

gregação e na miséria as condições de vida do leproso

residente em Anápolis (Goiás) nos anos de 1930 – 1970.

O facto de viverem perambulando e se escondendo pela

cidade, fugindo das normas imposta pela sociedade e pe-

las políticas públicas vigentes foram expressas em suas

oralidades por meio das terminologias: medo, vergonha,

rejeição e falta de dignidade humana.

As condições e sentimentos mencionados impulsionaram

os doentes a construir um território e usá-lo para se prote-

ger, construíndo e desconstruíndo territorialidade espacial

no decorrer das décadas de 1950-1970.Tal territorialidade

imprimiu sentimento de pertencimento e identidade.

Eles inauguram em 1950 uma territorialidade que agre-

gou doente e população de extrema miséria residente em

Anápolis e também de outros estados brasileiros. Nos

anos de 1960 e 1970 o uso do território foi ampliado

pela população miserável e os doentes tornaram-se atores

quantitativamente diminutos. Ali se formou a primeira

área subnormal (favela) em Anápolis, apelidada de ‘

Morro

do Cachimbo

’ devido ao tráfico de drogas [16, 17].

Por tratar-se de uma pesquisa ainda trilhando seus pri-

meiros passos têm-se muitas indagações a responder, a

saber: até que ponto os grupos (religiosos e políticos) in-

terferiram na temporalidade e espacialidade da formação

do território dos leprosos? Como os doentes, a partir dos

anos de 1980, com a institucionalização do Morhan, fi-

zeram uso do território? Como os doentes se portavam

nas diferentes fases da doença infectocontagiosa? Quais

os agravos significativos nestas diferentes fases e suas re-

lações na manutenção no território?

Bibliografia

1. Saldaña JJ (1993). Nuevas tendências em la historia de la ciência America Lati-

na. Cuadernos Americanos 38: 69-91.

2. Cataia M (2013)Território usado e federação: articulações possíveis. Educação

e Sociedade 34:1135-1151.

3. Souza MJL(2000) O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvi-

mento. In: Castro IE de Gomes PC de C Corrêa RL Geografia: conceitos e temas.

Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, Brasil.

4. Haerbaert R(2004).

Territórios alternativos.

São Paulo: Contexto. Niterói/RJ:

EdUFF, Rio de Janeiro, Brasil.

5. Santos M (2001)Território e sociedade: Entrevista com Milton Santos

.

Funda-

ção Perseu Abramo, São Paulo, Brasil.

6. Silveira ML (2011) Novos aconteceres, nos territorialidades. In: Dias LC

Ferrari M Territorialidades Humanas e Redes Sociais. Insular, Florianópolis,

Brasil.

7. Ferreira HJ (2011).Anápolis, sua vida, seu povo. Kelps, Goiânia, Brasil.

8. Carvalho HG de (2015). James Fanstone: protestantismo, medicina como vo-

cação e legado social na fronteira Goiás na primeira metade do século XX. Disser-

tação de Mestrado. Centro Universitário de Anápolis, Goiás, Brasil.

9. TuanY (2005). Paisagens do medo. Unesp, São Paulo, Brasil.

10. Jornal o Annapolis (1942). Reação ao mal do Hansen. Número 389.

11. Jornal oAnnapolis (1943).Vai ser inaugurado o leprosário de Goiânia. Numero

399.

12. Jornal o Annapolis (1941) Notas e Reparos os Doentes. Número 268.

13. Silva, LF da (2013). Eternos órfãos da saúde: medicina, política e construção da

lepra em Goiás (1830 – 1962).Tese. Universidade Federal de Goiás, Brasil.

14. Sack RD (1986). HumanTerritoriality, its theory and history. Cambridge Uni-

versity Press, Cambridge, USA.

15. Jornal O Popular (1994). Perseguição e clausura. Número 390.

16. Bernardes GD,Tavares GG.Espaços ilegais:um estudo da qualidade de vida dos mo-

radores residentes nas áreas subnormais emAnápolis – GO. In: Bernardes GD, Morais

RP de. (2012). Políticas Públicas: meio ambiente e tecnologia.Vieira, Brasil.

17. Bernardes GD, Tavares GG. (2012) Riscos Ambientais e Sociais – uma leitu-

ra da qualidade de vida dos residentes em áreas subnormais em Anápolis – Goiás

(2008/2009). Fronteiras - Journal of social, technological and environmental

Science, 3: 53-71.

Doenças, agentes patogénicos, atores, instituições e visões da medicina tropical