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não era doente. Ele era doente. Então naquela época se a
pessoa morava com o doente ele podia ficar aqui”.
De acordo com os depoimentos de C.T. e de M. instituições
religiosas que ali instalaram suas sedes e faziam parte do que
era denominada de diretoria que controlava o território. Ela
era responsável pelo controle dos doentes e atribuía poder
de vigilância a outros doentes.Afirma C.T. que os “ próprios
doentes eram os policiais daqui”. Ainda o depoente afirma
quem “(...) não obedecesse era expulso. Colocavam suas bu-
gigangas dentro de um caminhão e jogava lá para fora como
se fosse cachorro”.
Segundo o depoente C.T. por determinação da diretoria
,
nos
anos 1960, havia “horário de recolhimento, proibições de bebi-
das alcoólicas e cigarros, entre outras restrições estabelecidas”.
O território usado pelos doentes, como mencionado, consti-
tuía-se de área degradada (voçorocas, por exemplo). Também
havia cemitério clandestino no território usado, no qual eram
enterrados os leprosos. Conforme relatos dos depoentes o ce-
mitério localizava-se onde hoje está a sede do Morhan. Ele foi
desativado nos anos de 1980 e os restos mortais foram retirados
(pelos próprios moradores) e levados para o cemitério munici-
pal, mas segundo informação de depoente C.T., ainda são en-
contrados restos de ossos no antigo cemitério.
Algumas considerações
O território do refúgio tratado neste artigo tem na se-
gregação e na miséria as condições de vida do leproso
residente em Anápolis (Goiás) nos anos de 1930 – 1970.
O facto de viverem perambulando e se escondendo pela
cidade, fugindo das normas imposta pela sociedade e pe-
las políticas públicas vigentes foram expressas em suas
oralidades por meio das terminologias: medo, vergonha,
rejeição e falta de dignidade humana.
As condições e sentimentos mencionados impulsionaram
os doentes a construir um território e usá-lo para se prote-
ger, construíndo e desconstruíndo territorialidade espacial
no decorrer das décadas de 1950-1970.Tal territorialidade
imprimiu sentimento de pertencimento e identidade.
Eles inauguram em 1950 uma territorialidade que agre-
gou doente e população de extrema miséria residente em
Anápolis e também de outros estados brasileiros. Nos
anos de 1960 e 1970 o uso do território foi ampliado
pela população miserável e os doentes tornaram-se atores
quantitativamente diminutos. Ali se formou a primeira
área subnormal (favela) em Anápolis, apelidada de ‘
Morro
do Cachimbo
’ devido ao tráfico de drogas [16, 17].
Por tratar-se de uma pesquisa ainda trilhando seus pri-
meiros passos têm-se muitas indagações a responder, a
saber: até que ponto os grupos (religiosos e políticos) in-
terferiram na temporalidade e espacialidade da formação
do território dos leprosos? Como os doentes, a partir dos
anos de 1980, com a institucionalização do Morhan, fi-
zeram uso do território? Como os doentes se portavam
nas diferentes fases da doença infectocontagiosa? Quais
os agravos significativos nestas diferentes fases e suas re-
lações na manutenção no território?
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Doenças, agentes patogénicos, atores, instituições e visões da medicina tropical