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alcançando o SNS o objetivo da universalidade.
A responsabilidade do Estado quanto aos hospitais também se
reforçou de uma maneira significativa, pois as camas hospitalares
públicas passaram de cerca de 45% para 83%, do princípio para o
final da década de 70, com a “
oficialização
” dos hospitais distritais e
concelhios pertencentes às Misericórdias.
Uma
segunda fase
, no início da década de 1980, correspondeu
a um período em que, de uma forma mais consistente e determi-
nada, do ponto de vista ideológico e da sustentabilidade financeira
do SNS, se colocou seriamente a possibilidade de se desenvolver
uma alternativa ao SNS.
A revisão constitucional de 1982 não alterou,porém,os dois prin-
cípios socializantes mais emblemáticos: a criação de um serviço
nacional de saúde universal, geral e gratuito (n.º 2 do artigo 64º)
e a socialização da medicina e dos sectores médico-medicamen-
tosos. Apenas foi acrescentado ao artigo 64º um número 4 que
afirma que “
o serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e par-
ticipada
”.
As prioridades políticas da revisão constitucional centravam-se,
porém, no papel do Estado face à economia e na definição dos ór-
gãos de controlo constitucional e a Saúde não era suficientemente
importante para merecer honra de moeda de troca no processo
de revisão constitucional. As obrigações constitucionais impuse-
ram, também, limites aos projetos de extinção do SNS através da
lei ordinária: um acórdão, de 1984, do Tribunal Constitucional
declarou inconstitucional o artigo 17º do Decreto-lei n.º 254/82,
de 29 de Junho, que revogara a maior parte da Lei n.º 56/79, que
se traduziriam na extinção do SNS.
Só com a segunda revisão constitucional, em 1989, o primeiro
princípio do artigo 64º passa a ter uma outra redação: “
serviço na-
cional de saúde universal e geral e,tendo em conta as condições económicas
e sociais dos cidadãos,tendencialmente gratuito
” e, no segundo, se aban-
dona a redação radical da socialização da medicina e dos sectores
médico-medicamentosos, para se limitar à expressão ambígua de
socialização dos custos dos cuidadosmédicos emedicamentosos.
Uma
terceira fase
, correspondente aos governos do Partido So-
cial Democrata (PSD), de 1985 a 1995, deu corpo à influência da
“
ideologia de mercado
”, sobretudo da competição entre prestadores,
como forma de ganhar eficiência e também por políticas de prio-
ridades, escolhas e limites nos cuidados públicos de saúde.
As principais alterações, nesta fase, constam da Lei de Bases da
Saúde de 1990:
•
A regionalização da administração dos serviços, com maior au-
tonomia e poderes para coordenar a atividade dos hospitais;
•
A privatização de sectores da prestação de cuidados, devendo o
Estado promover o desenvolvimento do sector privado e permitir
a gestão privada de unidades públicas e a articulação do SNS com
unidades privadas;
•
A privatização de sectores do financiamento de cuidados, com
a concessão de incentivos à opção por seguros privados de saúde
e a possibilidade de criação de um seguro alternativo de saúde;
•
A articulação de cuidados, com a criação de unidades de saúde,
que agrupariam, numa região, hospitais e centros de saúde.
Numa
quarta fase
, dos governos do Partido Socialista (PS), de
1995 a 2001, trava-se o afastamento do Estado na área da saúde,
que se desenhava anteriormente, afirmando-se como prioritário
o investimento no potencial do SNS.
Selecionam-se seis intervenções consideradas mais significativas:
1.
O incentivo a maior produtividade e satisfação dos clínicos
gerais, através de um novo regime remuneratório experimental,
que tinha em consideração as condições do desempenho profis-
sional;
2.
Amaior desconcentração no planeamento e controlo das uni-
dades de saúde, através da criação das agências de contratualiza-
ção, no âmbito das administrações regionais de saúde;
3.
A tentativa de clarificação das prestações pública e privada
com o regime das incompatibilidades nas convenções estabeleci-
das pelo SNS;
4.
A tentativa de contenção de custos nos medicamentos comos
diplomas sobre genéricos e sobre a comparticipação nos preços e
de limitação contratual com a indústria do ritmo de crescimento
da fatura commedicamentos;
5.
A criação de um
tertium genus
na gestão hospitalar,como novo
estatuto jurídico do Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da
Feira, a que se seguiram a Unidade Local de Saúde de Matosinhos
e o Hospital do BarlaventoAlgarvio, adotando regras privadas na
gestão de recursos humanos e na contratação de bens e de servi-
ços,mas mantendo, o Hospital, estatuto e gestão públicos;
6.
A criação da estrutura de missão “Parcerias Saúde”, que cons-
tituiria a base para a celebração de acordos no âmbito do sector
público e com o sector privado, para o financiamento, planea-
mento, construção e gestão de unidades de saúde.
Esta quarta fase coincidiu com a elaboração de uma primeira es-
tratégia de saúde para 1998-2002 pela Direção Geral de Saúde
(DGS) – “
Saúde Um Compromisso - uma Estratégia para oVirar do Sé-
culo
” (DGS 1999).
Numa
quinta fase
, correspondente às políticas de saúde dos go-
vernos de uma coligação centro-direita (entre o PSD e o Partido
Popular), de 2002 a 2005, preconizava-se um sistema misto as-
sente numa ideia de complementaridade entre o sector público,
o sector social e o sector privado. Este “
novo Sistema Nacional de
Saúde
” baseava a sua organização e funcionamento na articulação
de redes de cuidados primários, de cuidados diferenciados e de
cuidados continuados.
Era a consagração de uma ideia de SSP, “
onde coexistem as iniciativas
pública,social e privada e regulado por uma entidade independente e au-
tónoma
”, a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) (Pereira, 2005),
sem que o SNS se constitua em referência preferencial.
Este diferente entendimento do SSP teve tradução na criação
normativa das redes de cuidados hospitalares, primários e con-
tinuados.
O novo regime jurídico da gestão hospitalar é publicado em 2002
e procede à alteração da Lei de Bases da Saúde, no sentido de
permitir duas importantes alterações: o contrato individual
de trabalho como regime laboral aplicável aos profissionais
que trabalham no SNS e a criação de unidades de saúde com
a natureza de sociedades anónimas de capitais públicos.
Ainda em 2002 é publicado o diploma que define os princí-
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