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Perante estes valores seria expectável uma probabilidade eleva-
da de ocorrência de situações de emergência médica a bordo
durante uma viagem aérea, não só pelo número de passageiros
em causa, mas também pelas condições ambientais que existem
no interior duma aeronave, bom baixa pressão atmosférica e a
consequente condição de hipóxia permanente.
Com efeito, o ambiente de cabine tem, em voo, uma altitude
entre os 5 000 e os 8 000 pés, o que implica que a pressão at-
mosférica desce para valores de 565 mmHg. Consequentemen-
te, temos valores de PO2 traqueal de 108 mmHg; PO2 alveloar
de cerca de 72mm Hg e uma PO2 arterial de 55 mm Hg, en-
quanto a nível domar, comuma pressão atmosférica de 760mm
Hg, se verifica uma PO2 traqueal de 149 mm Hg, uma PO2
alveolar de 103 mmHg, determinando uma PO2 arterial de 98
mm Hg. Apesar da curva de dissociação da hemoglobina per-
mitir uma adaptação fisiológica a esta altitude, os neurónios são
extremamente sensíveis a esta falta de oxigénio especialmente
na chamada áreas superiores do cérebro (responsáveis pelo jul-
gamento, autocrítica, concentração e funções mentais comple-
xas). Sinais de hipóxia cerebral podem começar quando a PO2
alveolar cai para cerca de 50-60 mmHg.
Cerca de 75% das emergências médicas associadas ao voo
ocorre no solo nas horas imediatamente antes ou após o voo
e a incidência de passageiros que desenvolveram sintomas re-
querendo assistência em voo é de apenas 0.003%.
Contudo, a incidência real deste tipo de emergências não é bem
conhecida, uma vez que não existe um sistema de participação
uniforme e incidentes médicos menores, que não necessitam de
apoio médico em terra, usualmente não são notificados.
Alguns estudos, baseados na activação dos serviços de emer-
gência médica à chegada de passageiros num determinado
aeroporto, referem 21 a 25 emergências e 0.1 a 0.3 mortes
por milhão de passageiros. Um destes, realizado no Seattle –
Tacoma International Airport, mostra que 1 em cada 39 600
passageiros e 1 em cada 753 voos tiveram uma emergência
com início durante o voo. Outros contabilizaram os eventos
que ocorreram em todos os voos numa determinada empresa,
ou que tenham originado uma chamada do avião para um sis-
tema médico em terra.
São exemplos, o estudo efetuado na British Airways (1998-
1999) com 92 emergências por milhão de passageiros, das
quais 70% foram resolvidas pela tripulação e 28 incidentes por
milhão (pax) resolvidos por aconselhamento médico do solo e
o da Air France (1989 a 1999) que contabilizou 1.9 chamadas
do solo por milhão de passageiros.
A Australian Transport Safety Bureau publicou um estudo
(1975 -2006) no qual mostra que, durante esse período, dos
284 eventos médicos ocorridos, os traumatismos músculo-
-esqueléticos minor corresponderam a 26% e o ataque cardí-
aco constituiu 44% dos casos. A morte teve uma taxa de 3%.
Ainda de acordo com este estudo, 99 voos divergiram devido
a situações de emergência médica.
A Air Canada, num estudo entre 2004 e 2008 mostrou um
total de 220 voos que divergiram, dos quais 91 (41.4%) foi
por decisão do comandante ou de pessoal médico que via-
java a bordo. Durante este período fizeram 5 386 contactos
por telemedicina, perfazendo 2.4 divergências por cada 100
chamadas. As principais causas foram as de origem cardíaca -
58 desvios (26.4%), seguidas pelas neurológicas - 43 desvios
(19.5%), gastrointestinais - 25 desvios (11.4%) e síncope - 22
desvios (10.0%).A paragem cardíaca constituiu 6.8% do total
dos desvios.
Em Portugal, no período compreendido entre 2009 e 2012,
de um total 7098 registos de ocorrências com aeronaves, 121
(1.7%) correspondem a emergência de índole médica ou de
segurança (fumador, passageiro clandestino ou comporta-
mento disruptivo). Mais uma vez a falta de uniformização do
sistema de notificação deste tipo de ocorrências impede uma
análise adequada.
De qualquer modo e numa perspetiva da Medicina dasViagens,
a viagem aérea em si deverá sempre constituir fator a conside-
rar na abordagem do viajante. Embora a estatística aponte para
uma baixa probabilidade de ocorrência, a emergência médica
durante as horas de duração de um voo, tem sempre de ser
equacionada, principalmente para viajantes com problemas de
saúde, mobilidade reduzida ou com requisitos especiais.
O ambiente de uma aeronave é uma das condicionantes para
determinados doentes e apesar da existência obrigatória de
um equipamento médico de emergência a bordo de todos os
aviões, e do treino, também obrigatório, das tripulações de
cabine, em matéria de primeiros socorros ou até da eventual
existência de um sistema de telemedicina que algumas trans-
portadoras dispõem, por vezes não é suficiente para a reso-
lução das múltiplas situações que podem ocorrer ao viajante,
pelo que continua a ser o equacionamento prévio a melhor
prevenção para limitar a ocorrência deste tipo de problemas.
Também o conhecimento das bases da medicina aeronáutica,
e dos procedimentos de actuação médica a bordo por parte
dos médicos que são passageiros em viagens de avião, a quem
a tripulação recorre nos casos de emergência, seria de gran-
de importância para a redução dos números da mortalidade e
morbilidade a bordo de aeronaves.
Nota Final
A interface Homem-Natureza encontra-se em constante in-
teracção e transformação. São particularmente relevantes no
favorecimento da emergência e propagação de epidemias, os
comportamentos humanos, os movimentos populacionais
(viajantes e fluxos migratórios, incluindo movimentos de re-
fugiados e apátridas), a gestão da produção alimentar e dos
recursos hídricos e a urbanização.
A Medicina das Viagens é uma área de mudanças dinâmicas,
que ocorrem na epidemiologia global das doenças infeccio-
sas, no padrão de resistências medicamentosas dos microrga-
nismos e na crescente duração, diversidade e complexidade
dos itinerários e actividades dos viajantes. O correcto ma-
Artigo Original