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A n a i s d o I HM T
Assumem um papel de destaque, as febres hemorrágicas por
arbovírus (vírus mantidos na natureza através da transmis-
são biológica por artrópodes hematófagos entre hospedeiros
vertebrados susceptíveis, ou por transmissão transovariana
em artrópodes) e por filovírus (vírus Marburgo e vírus Ébo-
la, ambos com mortalidade considerável e com patogénese
não totalmente esclarecida). Uma das principais preocupa-
ções inerentes às febres hemorrágicas víricas, causadas por
arenavírus, bunyavírus, flavivírus e filovírus, é o seu poten-
cial para utilização como armas biológicas, em virtude da
existência de características como morbilidade e mortalida-
de elevadas, transmissão interpessoal, dose infectante baixa e
elevada disseminação por via aérea, ausência de vacinas efica-
zes, potencial para provocar pânico na sociedade, capacidade
de produção em larga escala, e estabilidade ambiental.
O vírus Dengue, que não pode ser aerossolizado em labo-
ratório, não é um agente de bioterrorismo, mas representa,
actualmente, uma das maiores preocupações na saúde do via-
jante que viaja para zonas endémicas (latitude 30º N a 40º S).
Trata-se de um arbovírus, da família
Flaviviridae
, com 5 seró-
tipos (1 a 5), mas sem imunidade cruzada entre os diferentes
serótipos, pelo que o risco de uma apresentação clínica com
maior gravidade e com evolução para a forma hemorrágica
é superior numa segunda infecção. Deste modo, é essencial
saber o serostatus do viajante, sobretudo quando se trata de
um viajante com estadias prévias em zonas endémicas de
dengue. Atendendo a que o tratamento é sintomático e tem
como objectivo primordial evitar a transudação capilar e o
choque hipovolémico, o diagnóstico deve ser feito o mais
célere possível. Outro factor relevante prende-se com a ne-
cessidade de evitar tratamentos antiparasitários e/ou anti-
bacterianos empíricos, uma vez que o diagnóstico diferencial
é vasto e geralmente inclui a malária e infecções bacterianas
sistémicas. Assim, testes de diagnóstico rápido (detecção de
antigénio NS1; IgM e/ou Ig G por ELISA), isolamento víri-
co por cultura e/ou técnicas de biologia molecular (PCR)
são ferramentas essenciais para uma confirmação laborato-
rial atempada. O diagnóstico precoce e preciso de dengue
permite ainda quebrar a transmissão da doença, reduzir a sua
morbilidade e impacto na sociedade, bem como possibilitar
uma intervenção mais rápida no que concerne ao controlo
vectorial. No caso de dengue hemorrágico, uma emergência
médica, são necessários recursos de saúde múltiplos, desde
a qualidade da suspeita e interpretação dos dados clínicos
e laboratoriais do doente, até à capacidade de resposta dos
serviços de sangue e das unidades de cuidados intensivos.
As infecções por vírus neurotrópicos, tais como a poliomie-
lite, raiva e encefalite japonesa, representam igualmente uma
urgência em Medicina doViajante. No entanto, a maior ame-
aça neste grupo de patologias tem sido a infecção pelo vírus
West Nile (flavivírus do complexo antigénico do vírus da
encefalite japonesa). Trata-se da arbovirose com maior dis-
tribuição mundial e, apesar do seu ciclo primário envolver
mosquitos ornitofílicos, o Homem constitui um hospedeiro
acidental. A introdução deste vírus, em 1999, na costa leste
dos Estados Unidos da América, com rápida propagação por
todo o país e causando casos graves de meningoencefalite;
o alerta dado, em 2004, sobre a transmissão a dois cidadãos
irlandeses que se encontravam de férias no Algarve; o surto
durante o verão de 2010, na Grécia e a existência de trans-
missão transfusional, atestam a relevância deste vírus como
agente responsável por epidemias e epizootias.
A globalização suscita desafios importantes na área da Medi-
cina doViajante, particularmente nas infecções víricas, pelo
que a actualização nesta área é crucial.
Infeções parasitárias do Sistema Nervoso Central
– urgências médicas
Outras infeções do Sistema Nervoso Central consideradas
emergências médicas podem igualmente ser de difícil diag-
nóstico, porque raras. Incluem-se nestas emergências as in-
feções por amibas de vida livre, sobretudo por
Naegleria
sp
(a meningoencefalite amebiana primária, com uma evolução
clínica muito rápida e levando à morte em poucos dias), mas
também por
Achantamoeba
sp e
Balamuthia mandrillaris
(com
evoluções mais lentas mas igualmente com uma mortalida-
de muito elevada), ou as infecções por helmintas com fases
evolutivas larvares no SNC; o paradigma destes helmintas
é
Angyostrongylus cantonensis
, um nemátodo com um ciclo
de vida em que tem como hospedeiros o rato e um caracol,
e em que o homem se infecta acidentalmente ao ingerir as
formas larvares de
Angyostrongylus
a partir do caracol ou de
alguns seus subprodutos (por exemplo, as secreções produ-
zidas para favorecer a sua movimentação no solo). A presen-
ça de formas larvares do parasita no SNC leva a um quadro
de meningite eosinofílica, com um quadro clínico em tudo
sobreponível ao de uma meningite bacteriana, mas com a
presença de muitos eosinófilos no LCR. O diagnóstico de-
verá ser suspeitado sempre que haja uma história de viagens
(sobretudo Ásia, mas também América Central e Caraíbas),
ingestão de alimentos mal cozinhados (não exclusivamente
caracóis, mas também alimentos que possam ter sido con-
taminados por secreções do caracol), e um quadro clínico
de reação meníngea. O pedido de pesquisa de eosinófilos no
LCR é mandatório; a confirmação do diagnóstico terá de ser
feita por técnicas serológicas, a maioria delas existentes ape-
nas fora do país.
Emergências médicas a bordo
O número de 3 mil milhões de passageiros, transportados
em todo o mundo, foi atingido no ano de 2012, resultante do
aumento de 4,7%, quando comparado com o ano anterior.
Ainda nesse ano, o número de partidas aeroportuárias de ae-
ronaves atingiu o recorde de 31 milhões .