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A n a i s d o I HM T

Dadas as incertezas sobre a razão risco-benefício, muitos

clínicos, em caso de forma cardíaca ou digestiva, prescre-

vem apenas tratamento de suporte, numa tentativa de evi-

tar uma agravação do problema no órgão, ou recomendam

apenas modificações no estilo de vida e dieta (World Heal-

th Organization 2007). O problema com esta aproximação

terapêutica é que não altera a evolução da doença: a MCC

evolui inexoravelmente para insuficiência cardíaca intratável

a necessitar transplante cardíaco e os “megas” para situações

cirúrgicas complexas. O tratamento anti-parasitário deverá

ser realizado ponderando os seus benefícios e riscos, os cus-

tos, a aceitação ou recusa do doente e a avaliação clínica do

médico (World Health Organization 2007).

A sero-negativação após tratamento antiparasitário é muito

lenta, sendo que os anticorpos poderão levar cerca de uma

década a diminuir substancialmente em indivíduos curados

(World Health Organization 2007). Assim, é sugerido que a

avaliação da terapêutica seja efectuada através da comparação

do título de anticorpos, cuja diminuição é sugestiva de um

processo de cura, eventualmente associada ao uso de técni-

cas de PCR ao longo do tempo (Pérez-Molina

et al.

2009).

Não existe actualmente uma vacina disponível que previna a

doença de Chagas (World Health Organization 2011).

Iniciativas de investigação e controlo da doença

Encontra-se actualmente em curso um projecto de avalia-

ção da eficácia e segurança do tratamento daTripanosomíase

Americana com Benznidazol (

BENEFIT

), o primeiro estudo

randomizado e controlado multicêntrico contra placebo

efectuado em doentes que se encontram na fase crónica da

doença, na sua forma cardíaca Os resultados preliminares

indicam que cerca de 15% dos pacientes interrompem a te-

rapêutica, embora cerca de 6% desses doentes a recomecem

posteriormente (Marin-Neto

et al.

2009).

Está em desenvolvimento um estudo em fase II de um can-

didato ao tratamento de doença de Chagas, denominado

E1224, derivado do fármaco pro-ravuconazol (anti-fúngico

inibidor de ergosterol), actualmente a ser testado em doen-

tes adultos em fase crónica indeterminada (Torrico 2011).A

utilização de um outro anti-fúngico, posaconazol, encontra-

-se também em estudo quanto ao seu efeito tripanocida em

humanos, já demonstrado em modelo animal (Molina

et al.

2012).

Decorre actualmente também o projecto BERENICE (

Benz-

nidazol and triazol research group for nanomedicine and innovation

on Chagas disease

), financiado pela Programa FP7 da Comuni-

dade Europeia. O objectivo central deste projecto é a poten-

cialização da utilização do benznidazol em nanoformulações

farmacêuticas, com a finalidade de reduzir a dosagem tera-

pêutica deste fármaco e consequentemente a sua toxicidade

(http://www.berenice-project.eu

/).

Conclusão

A doença de Chagas continua a ser uma das mais impor-

tantes doenças tropicais negligenciadas. O panorama epi-

demiológico tem vindo a modificar-se ao longo das últimas

décadas: por um lado as iniciativas de controlo da doença

resultaram, por exemplo no Brasil, na interrupção da trans-

missão vectorial pelo principal vector envolvido; por outro,

e ao mesmo tempo, o intenso fluxo migratório de indivíduos

latino-americanos portadores, maioritariamente sem o sabe-

rem, de doença de Chagas em fase indeterminada, criou um

problema de saúde pública fora das regiões endémicas, para

o qual os profissionais e sistemas de saúde não estavam pre-

parados. Na Europa, há uma tremenda discrepância entre o

número de casos estimado e o notificado: em 2009, em nove

países europeus, incluindo Portugal, 4,290 casos tinham sido

diagnosticados, comparado com uma estimativa de 68,000 a

122,000 casos esperados.

Os desafios, tanto em área endémica como fora dela, rela-

cionam-se com a necessidade duma melhor compreensão da

imunologia e fisiopatologia da doença, de melhores métodos

de diagnóstico e de evidências mais robustas sobre o manu-

seio dos doentes, incluindo a disponibilização de melhores

fármacos antiparasitários.

Ainda que o contexto dos países endémicos não seja compa-

rável ao dos países não-endémicos em termos da dimensão

do problema e dos recursos disponíveis para lidar com ele,

a globalização da doença de Chagas, trouxe, a nosso ver, a

possibilidade de lidar com os desafios relacionados com esta

patologia de forma colaborativa à escala global. De momen-

to, as consequências mais evidentes desta globalização são

uma maior visibilidade e um aumento no grau de alerta dos

profissionais de saúde sobre esta doença. A experiência e o

“know-how” dos investigadores, profissionais e estruturas de

saúde dentro e fora das áreas endémicas estão a ser partilha-

dos à escala mundial, o que irá tendencialmente resultar em

mais e melhores instrumentos técnicos para, em associação

com o combate à pobreza e à exclusão social, erradicar esta

doença num futuro próximo.