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A n a i s d o I HM T

Definição e Impacto na Saúde Pública

A doença de Chagas, ou Tripanosomíase Americana, é uma

zoonose causada pelo protozoário

Trypanosoma cruzi

(

T. cru-

zi

), transmitida maioritariamente através de um vector in-

vertebrado, da subfamília

Triatominae

(Maudlin

et al

. 2004;

World Health Organization 2007; WHO Expert Commit-

tee 2002)

.

A doença evolui em duas fases: aguda, até cerca

de dois meses após infecção (World Health Organization

2010), e crónica, que poderá ocorrer de forma indetermi-

nada ou sintomática (cardíaca e/ou digestiva), entre 10 a 30

anos após infecção (Rassi & Marin-Neto 2010). Considera-

-se que 60 a 70% dos indivíduos infectados por

Trypanosoma

cruzi

permanecem na fase indeterminada da doença (Rassi &

Marin-Neto 2010).

Existe um grande número de reservatórios vertebrados e de

insectos triatomíneos que participam na transmissão desta

doença em área endémica, tornando complexa a sua epi-

demiologia e o seu controlo (World Health Organization

2007). A infecção ocorre por penetração pela conjuntiva,

mucosa oral ou nasal das formas infectantes de

T. cruzi

pre-

sentes nas fezes do vector (Cook & Zumla 2009).

A transmissão do parasita pode ocorrer também através de

transfusão sanguínea, transplante de órgãos (WHO Expert

Committee 2002), transmissão congénita (Reiche

et al

.

1996), ou amamentação (WHO Expert Committee 2002).

É crescente o número de casos de infecção por via oral, por

consumo

in natura

de alimentos conspurcados por fezes do

vector contendo o parasita, nomeadamente sumos (Shikanai-

-Yasuda & Carvalho 2012).

As áreas endémicas da transmissão deste parasita, onde exis-

tem insectos infectados responsáveis pela transmissão vecto-

rial estão limitadas à América Central e Sul (WHO Expert

Committee 2002). Fora destas áreas endémicas, a doença de

Chagas vem assumindo uma importância crescente, em fun-

ção do aumento no fluxo emigratório de latino-americanos

(WHO Expert Committee 2002; World Health Organiza-

tion 2009b).

Situação epidemiológica actual em países

não endémicos

A migração de latino-americanos tem vindo a tornar-se cada

vez mais evidente nos países da Europa (Góis

et al

. 2009).

Estes migrantes são maioritariamente jovens, em idade re-

produtiva e com as mulheres em elevada proporção (Ferrão

et al

. 2012). A nacionalidade estrangeira mais representativa

em Portugal, segundo os dados mais recentes do Serviço de

Estrangeiros e Fronteiras, é a brasileira (Serviço de Estran-

geiros e Fronteiras 2012).

Em países com indivíduos provenientes de zona endémica

para doença de Chagas o risco de transmissão autóctone da

doença por transfusão, transplante, e transmissão materno-

-fetal fica estabelecido (Velarde-Rodríguez

et al

. 2009). A

transmissão de

T. cruzi

associada a transfusão sanguínea ou

transplante de órgãos foi já documentada em países como

os EUA, Espanha, Canadá e Suíça (Piron

et al

. 2008; Gascon

et al

. 2009; Guerri-Guttenberg

et al

. 2008). Estima-se que

o número de indivíduos infectados por

T. cruzi

na Europa

exceda os 80 000 (World Health Organization 2009b; Basile

et al

. 2011).

Actualmente o número de residentes latino-americanos com

doença de Chagas em Portugal é desconhecido, mas as esti-

mativas indicam cerca de 500 a 1000 indivíduos infectados

em território nacional (Basile

et al

. 2011). O número total

de casos de doença de Chagas laboratorialmente confirma-

dos em Portugal é 9 (Cortez

et al

. 2012).

Existe desde 2006 uma directiva europeia publicada pelo

Parlamento Europeu que sugere a realização de um rastreio

de dadores de sangue e órgãos sob risco para a infecção por

T. cruzi

tendo em consideração o seu historial epidemioló-

gico (Comissão das Comunidades Europeias 2006). A Or-

ganização Mundial de Saúde (OMS) preconiza a realização

de rastreios para a prevenção da transmissão de

T. cruzi

por

transfusão sanguínea e transplante de órgãos tanto em área

endémica como em países não-endémicos (World Health

Organization 2008; Fondation Merieux &World Health Or-

ganization 2008;World Health Organization 2010). Actual-

mente quatro países europeus aplicam medidas preventivas

para a transmissão de

T. cruzi

através de transfusão sanguínea:

Espanha, França, Reino Unido e Suíça. Quanto à prevenção

da doença de Chagas por transplante de órgãos, são efectua-

dos rastreios em dadores apenas em Espanha, Itália e Reino

Unido (Chagas Disease EuropeWorking Group, informação

pessoal).

Em Portugal aplica-se a directiva europeia 2006/17/CE, na

qual consta que indivíduos sabidamente infectados por

T.cru-

zi

deverão ser excluídos da dádiva de sangue, e que não espe-

cifica como proceder no caso de um doente que nunca tenha

sido rastreado para esta doença. No entanto, está prevista a

implementação futura de um protocolo que excluirá da doa-

ção de sangue e órgãos os indivíduos considerados sob risco

epidemiológico de estarem infectados por

T. cruz

i. (Chagas

Disease EuropeWorking Group, informação pessoal).

Foi efectuado em 2008-2009 no Porto um estudo epidemio-

lógico em 433 dadores de sangue considerados de risco para

a doença de Chagas, no qual não se encontraram amostras

positivas (Queirós

et al

. 2010). A realização de rastreio da

doença de Chagas em grávidas provenientes de região de ris-

co considera-se de grande importância, pois a maioria das

grávidas infectadas são assintomáticas (Nisida

et al

. 1999). A

realização deste tipo de rastreio é considerada rentável mes-

mo em áreas não-endémicas para a doença de Chagas (Wil-

son

et al

. 2008; Sicuri

et al

. 2011), sendo já efectuado em

algumas instituições em Itália, na Suíça, e em várias regiões

autónomas de Espanha (Jackson

et al

. 2009; World Health

Organization 2009b; Flores

et al

. 2008; Rueda

et al

. 2009;