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Malária do Viajante: uma urgência médica

A malária, uma doença parasitária ancestral cuja distri-

buição afecta áreas extensas de países tropicais, repre-

senta um risco não descurável para o viajante, sobretudo

para o viajante não informado. Na realidade se para o

natural das zonas endémicas de malária a doença é co-

mum e os seus sintomas reconhecidos, havendo em be-

nefício do doente a protecção imunitária que episódios

passados da doença transmitem, no viajante a situação é

completamente diferente.

Sintomas inespecíficos como febre, mal-estar, cefaleias,

vómitos ou diarreia que acometam o viajante regressa-

do de zona de endemia de malária, sobretudo se este

não fez ou não está a fazer quimioprofilaxia da doença,

devem fazer de imediato suspeitar do diagnóstico. Re-

lativamente aos doentes semi-imunes os viajantes com

malária tem tendencialmente formas de apresentação

mais sintomáticas, parasitemias mais elevadas, resposta

mais lenta ao tratamento (mais tempo para negativar a

parasitemia) e maior duração da febre, podendo tam-

bém apresentar formas graves com

P. vivax

e

P. knowlesi

.

Outros diagnósticos diferenciais deverão ser equaciona-

dos, ou não fosse a malária a “grande imitadora”: den-

gue, sepsis, febre tifóide, pneumonia, infecção gastroin-

testinal, etc.

A suspeita de malária tem que implicar procura imedia-

ta de ajuda médica, em hospital ou clínica com cuidados

diferenciados, idealmente com acesso a cuidados inten-

sivos e suporte ventilatório e hemodinâmico para as for-

mas mais graves ou que evoluam nesse sentido. Deverá

ser possível fazer testes de pesquisa do

Plasmodium

: a pes-

quisa em lâmina do parasita e também os testes rápidos de

detecção de antigenios de

Plasmodium

, com elevada sensi-

bilidade e especificidade, que nos permitem diferenciar a

espécie de

Plasmodium

envolvida. Efectuado o diagnóstico

a terapêutica deve ser imediata, de acordo com as indica-

ções estabelecidas pela OMS e, se possível, com recurso

às artemisininas (em combinação com outros antimalári-

cos), fármacos que se provou terem capacidade de nega-

tivar de forma mais rápida a parasitemia e terem menores

efeitos laterais do que a quinina.

O diagnóstico precoce é um dos factores de relevo para

evolução clínica favorável, ao permitir um início preco-

ce de terapêutica adequada. A parasitemia deve ser sem-

pre quantificada e a espécie de

Plasmodium

identificada;

para o viajante não imune para a doença, parasitemia

superior a 2% é já critério de gravidade devendo a me-

dicação ser iniciada por via endovenosa, o que implica

o internamento do doente, idealmente em local com

acesso a cuidados intensivos. Complicações precoces da

malária são o atingimento cerebral (malária cerebral),

o ARDS, habitualmente diagnosticado um pouco mais

tarde, e as disfunções de vários órgãos (rim, fígado, me-

dula óssea) que implicam o acesso a cuidados intensivos

para suporte e tratamento. Nos casos de malária de im-

portação formas graves são descritas em cerca de 10%

dos casos e a mortalidade atinge 7-25%. Não devem ser

esquecidas, na decisão terapêutica, as resistências, cada

vez mais disseminadas, do parasita à cloroquina em pra-

ticamente todas as zonas de risco de malária excepto o

Médio Oriente e áreas na América Central e Caraíbas,

mas também as resistências à mefloquina e, em algumas

zonas da Ásia, a recente resistência às artemisininas, a

arma terapêutica mais recente.

Problemático poderá ser também o diagnóstico de malá-

ria nos viajantes não-imunes em área endémica, em que

o acesso a cuidados médicos e a cuidados diferenciados

pode ser difícil senão impossível. Aí a suspeição clínica

pode de facto justificar o diagnóstico de presunção e o

tratamento sem confirmação laboratorial. O auto-trata-

mento, que se disponibiliza ao viajante nas consultas de

Medicina de Viagem para, em caso de suspeita clínica de

malária e na dificuldade de acesso a cuidados médicos

por 24 horas ou mais, pode ser uma opção para os que

permanecem em zonas sem acesso adequado a cuidados

de saúde. Mesmo quando é possível efectuar o diagnós-

tico, sobretudo através de métodos microscópicos, o

erro é muito frequente, sobretudo por falsos positivos.

Sempre que se questione o diagnóstico de um primei-

ro episódio de malária será útil proceder à pesquisa de

anticorpos para

Plasmodium

que, sendo negativa, reduz

drasticamente a possibilidade de contacto com o para-

sita, e, consequentemente, de diagnóstico positivo de

malária.

As medidas preventivas de malária continuam a ser, para

o viajante, a forma mais útil de evitar esta doença que na

sua forma mais grave pode matar viajantes previamente

saudáveis e em idades jovens da vida. A prevenção da pi-

cada de insectos e a quimioprofilaxia, quando indicada,

são medidas a implementar nos viajantes, alertando-os

para as possíveis manifestações da doença que o cum-

primento da quimioprofilaxia adequada não exclui na

totalidade.

Urgências em medicina do viajante

- Infecções víricas

A maioria dos surtos epidémicos causados por vírus endémi-

cos em regiões de clima tropical/subtropical, ocorre em locais

remotos, com infraestruturas sanitárias e recursos de saúde ina-

dequados ou inexistentes, sendo a cadeia epidemiológica difícil

de estabelecer na generalidade dos casos. Contudo, numa época

em que viajar para estas áreas se torna cada vez mais frequente,

aliado ao facto do tempo de duração dessas viagens poder ser

inferior ao período de incubação, é preocupante a possibilidade

de disseminação geográfica destas doenças.

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