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A n a i s d o I HM T
1 . Evolução do Sistema de Saúde Português
O SSP engloba o SNS, principal instrumento do sector público, e
integra também o sector privado, com e sem fins lucrativos, hoje
uma realidade muito complexa, não apenas do ponto de vista po-
lítico e social,mas também do ponto de vista económico
1
. O seu
desenvolvimento tem sido objecto de alguma literatura (Biscaia
et al
2006, Campos e Simões 2011, Conceição
et al
2007, Ferrei-
ra 1990, Ferrinho
et al
2006, Simões 2009, Simões e Dias 2010)
e desde o final do século XIX até à criação do SNS, em 1979,
destacam-se três importantes reformas.
A
primeira
,conhecida pela reforma deRicardo Jorge (de 1899),
traduziu-se num conjunto de diplomas aplicados a partir de 1903,
que reorganizaram a Direcção-Geral de Saúde e Beneficência Pú-
blica e criaram a InspeçãoGeral Sanitária, o Conselho Superior de
Higiene Pública e o Instituto Central de Higiene, como entidades
centrais de coordenação, e os cursos de Medicina Sanitária e En-
genharia Sanitária. É uma reforma influenciada pelos organismos
e intervenções internacionais, em que se tenta construir as bases
do movimento da saúde pública, constituindo o embrião do “mo-
derno sanitarismo” (Ferreira, 1990).
A
segunda
reforma, de 1945, cria duas direções-gerais, a da
Saúde e a da Assistência. A primeira com funções de orientação
e fiscalização quanto à técnica sanitária e de ação educativa e pre-
ventiva; a segunda com a responsabilidade administrativa sobre os
hospitais e sanatórios.
Em cada distrito é criada, ainda, uma delegação de saúde e, em
cada concelho, uma subdelegação de saúde; são previstos, tam-
bém, diversos organismos gozando de autonomia técnica e ad-
ministrativa, como os Hospitais Civis de Lisboa e os Hospitais
da Universidade de Coimbra e regulamentadas as instituições de
assistência particular, que ficam na dependência do Ministério do
Interior.
Pela primeira vez abordam-se três diferentes objetivos da política
de saúde: a “assistência preventiva”, a “assistência paliativa e curati-
va” e a “assistência construtiva”, ou seja, o que posteriormente se
considerará como a perspetiva da prevenção, do tratamento e da
recuperação da saúde.
Durante o período, de 1945 a 1971,
“...o Estado, não querendo as-
sumir a responsabilidade dos cuidados de saúde dos portugueses, permitiu
a criação de um sistema de saúde constituído por um grande número de
subsistemas independentes, difíceis de coordenar e originando duplicações
e guerras de competência e rivalidade, que impediam ou dificultavam a
formação de equipas multi-disciplinares indispensáveis à resolução dos pro-
blemas de saúde
” (Ferreira, 1990).
A
terceira
reforma é a de 1971, que marcará as opções doutri-
nárias para as décadas seguintes, desde logo após 25 de Abril de
1974. A ausência de rupturas significativas depois da Revolução
de 1974 deve-se, em primeiro lugar, ao reforço, em 1971, da in-
tervenção do Estado nas políticas de saúde e, em segundo lugar,
à orientação desse novo papel do Estado no sentido de conferir
prioridade à promoção da saúde e à prevenção da doença, que
constituíam aspectos inovadores naquele contexto político e re-
colheriam o apoio das forças políticas e sociais vencedoras, três
anos depois, no 25 deAbril e como internacionalmente viria a ser
adotado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), sete anos
depois, emAlma-Ata, no atual Cazaquistão.
Concebeu-se um serviço nacional de saúde sem esse nome, visan-
do integrar hospitais de Misericórdias, hospitais do Estado, postos
da então Previdência e centros de saúde públicos, criados após
1971 para a prevenção da doença e a promoção da saúde.
Se não houve ruturas significativas entre 1971 e os anos que se
seguiram à Revolução de 1974, essa continuidade ideológica tam-
bém se constatou, após a afirmação política e normativa do SNS
em 1979, com a progressiva aceitação, nas suas linhas gerais, do
modelo beveridgeano pelas forças políticas e sociais mais relevan-
tes na sociedade portuguesa.
Ao longo das últimas quatro décadas, no entanto, é possível iden-
tificar diversas fases no desenvolvimento do SSP.
A
primeira fase
é a que se segue imediatamente à revolução
de 25 deAbril de 1974, até ao final da década de setenta e que se
poderá designar de “fase optimista e de consolidação normativa
do SNS”.
O artigo 64º da Constituição de 1976 consagrava o direito à pro-
teção da saúde através da “criação de um serviço nacional de saúde
universal, geral e gratuito” e estabelecia ao Estado a obrigação de
“orientar a sua ação para a socialização da medicina e dos sectores
médico-medicamentosos”.
A Lei do Serviço Nacional de Saúde de 1979 representou o pri-
meiro modelo político de regulamentação do artigo 64º da Cons-
tituição e defendia um conjunto coerente de princípios, de que se
destacam a direção unificada do SNS, a gestão descentralizada e
participada e ainda a gratuitidade e o carácter supletivo do sector
privado, estabelecendo assim a base sobre a qual se construiria a
sua gestão estratégica.
Quando se estudam os resultados observados neste período é
possível afirmar que, apesar das fragilidades do sistema, na segun-
da metade da década de setenta, a cobertura da população quase
duplicou, verificou-se uma melhoria substancial dos principais in-
dicadores de saúde e foram afetos à saúde recursos que até então
não se dispunha.
Portugal apresenta uma melhoria substancial na taxa de morta-
lidade infantil neste período, recuperando de 37,9 mortes por
1000 nados vivos em 1974, para 24,3 em 1980. Relativamente à
taxa de mortalidade perinatal, regista-se, também, uma melhoria
substancial, de 32,2 para 23,9 mortes por cada 1000 nascimen-
tos.
Relativamente à esperança de vida, verifica-se também uma me-
lhoria neste período, com o aumento de 68,7 para 71,5 anos. O
assinalável progresso dos resultados não fazia, porém, esquecer
a existência de um assinalável atraso na comparação com outros
países da atual União Europeia.
Quanto à cobertura da população, em 1974 apenas 58% da po-
pulação portuguesa estava coberta por algum esquema de seguro
de saúde, valor que atingiu, na letra da lei, os 100% em 1978,
1
Segundo dados da OCDE, a saúde em Portugal representa mais de
10% do PIB. O seu crescimento, apesar de mais controlado na última
década, revela-se consistentemente acima do crescimento do PIB.