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do hospital para funcionários e praças regressados do ultramar

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.

A criação da Escola de MedicinaTropical e o Hospital Colonial

de Lisboa inauguram a primeira fase da história da medicina tro-

pical portuguesa, assente num quadro de referência assente no

primado do laboratório e da investigação científica, integrada nos

padrões europeus [24,41]. A escola tinha por missão “ o ensino

teórico e prático da medicina tropical” e a organização das “mis-

sões científicas às províncias ultramarinas e às colónias estrangei-

ras” [37,39],; o hospital destinava-se ao “tratamento dos oficiais e

praças que regressam do ultramar” [37,39].

Estavam criadas em Portugal as condições para reconhecer no

combate às doenças tropicais, o cerne da colonização e, nas mis-

sões científicas, a ferramenta mais eficaz no cartografia endémica

e na erradicação das doenças nos territórios a colonizar, como

nos indicaria João Fraga deAzevedo, um dos directores desta ins-

tituição, anos mais tarde [39]:

(...) A participação da Escola de MedicinaTropical na co-

lonização e civilização do Ultramar (...) foi realizada por

intermédio dos médicos que especializava para o ensino da

profissão ali, por intermédio de missões de estudo e por

trabalhos de divulgação e de investigação (...)

Para além do ensino, a investigação realizada na escola constituía

o sustentáculo da instituição. Funcionava como pólo de formação

técnica especializada, de investigação fundamental e de apoio ao

diagnóstico especializado difícil de efectuar nas colónias. A teia

de relações científicas estabelecida a partir da Escola de Medicina

Tropical de Lisboa revela ainda o alinhamento que esta tinha com

as principais escolas europeias, quer através dos contactos reali-

zados nos encontros internacionais, quer através da sua participa-

ção activa nas missões científicas realizadas em África [24,41].

Entre as grandes contribuições no domínio da medicina tropical,

não podemos deixar de reflectir sobre uma doença tipicamente

africana, a doença do sono [42], na qual os investigadores portu-

gueses da Escola de MedicinaTropical de Lisboa se vieram a dis-

tinguir.As missões científicas realizadas pela escola entre 1902 e

1935 revelam a importância que esta patologia exótica tinha para

o interesse nacional como força civilizadora. Foram efectuadas

oito missões e seis delas incidiram sobre a doença do sono: à Ilha

do Príncipe em 1904, 1907 e 1911; a Moçambique, em 1910 e

em 1927; à Guiné, em 1932 [41].

Logo de início, a escola de medicina tropical de Lisboa viu a sua

reputação reconhecida na Europa mercê das contribuições reali-

zadas por Ayres Kopke (1866-1944) e pelo seu grupo de inves-

tigação sobre a utilização do Atoxyl

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no tratamento da doença

do sono [43]. Este facto teve reflexos imediatos nas missões de

estudo realizadas pelas várias missões médicas ao serviço do Esta-

do português.As primeiras missões tiveram como alvo, duas das

províncias ultramarinas mais ricas e mais fustigadas pela doença,

a Ilha do Príncipe (1904, 1907 e 1911) e Moçambique (1910 e

1927).A Ilha do Príncipe era uma região privilegiada para uma

missão científica com as características da missão portuguesa.

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Em 1904, Ayres Kopke dirigiu uma missão de carácter explo-

ratório primário.Após 1907 as missões tiveram objectivos mais

precisos e concertados de acordo com a investigação experimen-

tal conduzida pelo grupo deAyres Kopke [44] na Escola de Me-

dicinaTropical de Lisboa: o ensaio do tratamento com o atoxyl

e a adopção de medidas profiláticas com vista à sua aplicação “na

parte continental das referidas províncias”[45].Amissão de 1911

que se prolongou até 1914 teve por base a construção de um

plano profilático com vista à ausência de reincidência da endemia

na ilha [46]. Os resultados obtidos pelas várias missões realizadas

na ilha foram reconhecidos pela comunidade internacional, com

particular relevância para esta missão final na Ilha do Príncipe

[47].

Kopke foi o investigador mais emblemático desta escola e da

medicina tropical portuguesa entre 1902 e 1935

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, líder de um

programa de investigação desenvolvido em torno da doença do

sono, reconhecido pela comunidade científica internacional,

nomeadamente por R. Koch,A. Laveran, P. Elrich e P. Manson,

pelo facto de ter sido Portugal o primeiro país colonizador a con-

seguir a erradicação da doença.

A transição da Escola para Instituto deMedicinaTropical ocorreu

em 1935, no início do Estado Novo, estabelecendo uma nova

ordem institucional para a medicina tropical ao equipará-la ao

sistema universitário.

Entre 1935 e 1942, a escola portuguesa de medicina tropical viu

terminar o seu brilhantismo pelo desaparecimento dos funda-

dores da escola (grande parte deles não fez escola e não deixou

discípulos) e pelo constrangimento orçamental como resultado

da transferência da tutela da instituição, do Ministério dos Negó-

cios Estrangeiros para o Ministério da Educação. O regulamento

aprovado em1939 seguia omodelo da Faculdade deMedicina de

Lisboa. Pretendia-se assim nivelar uma escola especializada em

medicina tropical com os institutos das várias áreas disciplinares

(fisiologia, histologia, anatomia, farmacologia, etc.) das faculda-

des de medicina, às quais estaria subordinada, com um programa

de maior enfoque na investigação científica na metrópole e nas

colónias.

Não obstante os primeiros anos de alguma turbulênciamerecem-

-nos uma atenção particular alguns dos marcos mais importantes

da vida da instituição neste período e que a relançariam no cir-

cuito internacional, dando visibilidade ao seu percurso histórico

e à autoridade científica granjeada, para ombrear com os pares

nos estudos e intervenções periciais em diferentes territórios,

bem como para criar tentáculos nas províncias ultramarinas. A

instituição moldou-se pela cooperação internacional a partir de

1946 e assumiram-se como figuras de relevo, João Fraga deAze-

vedo e Francisco Cambournac. Destaca-se a representatividade

da instituição na Organização Mundial de Saúde (OMS), a par-

tir de 1946, e a criação de missões permanentes nas colónias,

desde 1945; a realização do 1º Congresso Nacional de Medici-

naTropical e o lançamento da primeira pedra da construção do

novo edifício da escola, em 1952; e o lançamento de instituições

congéneres de medicina tropical em Angola e Moçambique a

partir de 1955 (os institutos de investigação médica deAngola e

Moçambique criados em 1955), bem como o acolhimento doVI

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