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A n a i s d o I HM T
no XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia, em
Berlim, em setembro de 1907. Quatro anos depois, o Instituto
levaria à Exposição emDresden uma descoberta que teve grande
repercussão mundial: a Doença de Chagas, a segunda tripanos-
somíase humana depois da Doença do Sono, que, com a malária,
constituía o principal desafio da medicina tropical europeia nas
colônias africanas [58,59].
As fronteiras do Instituto dilatavam-se em três planos. Fabrica-
ção de produtos biológicos, pesquisa e ensino — vertentes pe-
culiares ao Instituto Pasteur de Paris — definem, ainda hoje, o
perfil da Fundação Oswaldo Cruz. Doenças humanas, animais e,
em menor escala, vegetais punham a instituição em contato com
diferentes “clientes” e comunidades de pesquisa, reforçando suas
bases sociais de sustentação. A dilatação de fronteiras tinha tam-
bém conotação geopolítica, como para os institutos europeus que
atuavamna África e Ásia.Com freqüência cada vez maior, os cien-
tistas de Manguinhos embrenhar-se-iam pelos sertões do Brasil
para estudar e combater doenças, principalmente a malária. Ao
colocarem sua expertise a serviço de ferrovias, hidrelétricas, em-
preendimentos agro-pecuários ou extrativos deparar-se-iam com
patologias pouco ou nada conhecidas que dariam grande amplitu-
de aos horizontes da medicina tropical no Brasil [60].
Além da bacteriologia e das tecnologias médicas a ela associa-
das, duas áreas receberam especial atenção no Instituto Oswaldo
Cruz: a protozoologia e a zoologia médica, em particular a ento-
mologia.
Em fins do século XIX, os dípteros transformaram-se em ques-
tão da maior importância para os impérios coloniais europeus.A
Royal Society formou uma comissão para estudar o controle da
malária, e oMuseu Britânico deu início ao levantamento dos mos-
quitos existentes no mundo, sendo, então, mobilizados os consu-
lados e outros órgãos governamentais para dar cabo da ambiciosa
empreitada global.
Adolpho Lutz passou a integrar esta rede internacional em 1899.
Autor dos primeiros trabalhos em protozoologia publicados no
Brasil, desde o começo dos anos 1890 vinha examinando o san-
gue de aves e outros animais em lugares pantanosos com casos de
malária humana, em busca do plasmódio de Laveran e de outros
protozoários reconhecidos ou não como causadores de doenças.
Em 1897, foi chamado à região onde era construída nova linha
ferroviária ligando a capital paulista ao porto de Santos. Numero-
sos casos de malária vinham acometendo os operários nas matas
densas que revestiam a serra de Cubatão, ambiente muito diverso
das planícies encharcadas tradicionalmente associadas à doença.
Lutz teve sua atenção despertada por ummosquito diminuto, um
sugador de sangue voraz. Graças a estudos feitos anteriormente
sobre a fauna de plantas armazenadoras de água, não demorou a
perceber que era em bromélias que procriava aquele mosquito
classificado porTheobald, do Museu britânico, a princípio como
Anopheles lutzii
, em seguida reclassificado (1908) por Dyar e Knab,
doMuseuNacional dos Estados Unidos,como
Anopheles cruzii
.É o
vetor da chamada “malária das bromélias”, que alémde transmitir
a doença ao homem, é o único vetor natural conhecido de malária
simiana nasAméricas [61].
Embora houvesse atinado com essa modalidade ainda desconhe-
cida de malária antes da divulgação do trabalho fundamental a
esse respeito de Grassi e colaboradores (1899), somente em1903
Adolpho Lutz publicou sua descoberta em
Waldmosquito undWald-
malaria
. Durante todo o século XIX, tinham sido descritas 42 es-
pécies no âmbito da família dos culicídeos estabelecida por Fabri-
cius em sua
Entomologica
systematica
(1794). Somente na primeira
década do século XX, foram mais de duzentas espécies novas
(Lane, 1953), a maioria por Theobald, Lutz e um entomologis-
ta do Museu Nacional deWashington, DanielWilliam Coquillett
[61].
Em 1906 Carlos Chagas executou a primeira de muitas campa-
nhas antipalúdicas feitos pelo pessoal do Instituto de Manguinhos
no interior do Brasil [62]. Dois anos depois, com Belisário Penna,
seguiu para o norte de Minas Gerais, onde a doença impedia o
prolongamento dos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil.
Lá sua atenção foi despertada para um inseto hematófago que pro-
liferava nas paredes de pau-a-pique das casas, saindo à noite para
sugar o sangue de seus moradores e de animais domésticos.Ata-
cava de preferência o rosto humano, razão pela qual o chamavam
de “barbeiro”. Em março de 1909, com a ajuda dos pesquisado-
res do Instituto Oswaldo Cruz, completou a descoberta de uma
nova doença, ao encontrar no sangue de uma criança o protozo-
ário cujas formas viera rastreando no organismo do transmissor.
A Doença de Chagas, até então confundida com a malária ou a
ancilostomíase, consolidou a protozoologia como uma das mais
importantes áreas de pesquisa do Instituto carioca [63].
Ao iniciarmos a descrição da história da medicina tropical no Bra-
sil, mencionamos o pedido feito por Griesinger aWucherer, em
meados do século XIX, para que este verificasse na Bahia a des-
coberta feita por Bilharz no Egito: o
Distomum hematobium
(1851)
ou
Schistosoma hematobium
. O primeiro trabalho no Brasil sobre
a doença causada no homem por este verme foi publicado pelo
médico baianoManoelAugusto Pirajá da Silva em 1908, emmeio
a grande controvérsia [64].Até o começo do século XX, somen-
te uma espécie era conhecida:
Schistosoma haematobium
, com alta
prevalência no Egito e em outras partes do continente africano.
Em 1903, Manson sugeriu a possibilidade de existirem duas es-
pécies: uma com ovos com espícula lateral encontrados nas fezes,
outra comovos com espícula terminal presentes na urina.No ano
seguinte, Fujiro Katsurada descreveu o
Schistosoma japonicum
, en-
contrado no Japão e outros países da Ásia. Os ovos com espícula
muito rudimentar, menores, eram encontrados nas fezes, afetan-
do apenas os intestinos e outras vísceras, sem aparecer no sistema
urinário, como o
S.haematobium
.
Com base em material precário, LouisWestenra Sambon descre-
veu em 1907 nova espécie,
Schistosoma mansoni
; sua singularidade
residiria na posição da espícula nos ovos e no local onde o verme
era encontrado no hospedeiro humano,o trato digestivo ou uriná-
rio. O helmintologista alemãoArthur Looss, professor da Escola
de Medicina do Cairo, e o parasitologista inglês Robert Leiper
contestaram a nova espécie.O fato de coexistirem os dois vermes
nos principais focos da doença na África dificultava a separação das
duas espécies.No Hospital Santa Isabel, em Salvador, Bahia, Pirajá