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A n a i s d o I HM T

explorar essas regiões, levaram as potências coloniais a en-

carar seriamente o problema sanitário das suas possessões

ultramarinas.A doença foi assinalada pela primeira vez entre

os escravos do Benim em 1803, detectada em 1840 na Costa

do Ouro e na Serra Leoa e observada entre os nativos do

Congo, em 1864 [11]. Supõe-se que a Angola foi atingida

pela doença a partir de 1871, registando-se os primeiros ca-

sos nas margens do rio Cuanza, constituindo-se este como o

foco inicial de onde irradiou para outros pontos de Angola

[11]. Cerca de 1882, com a cotação do cacau em alta, a do-

ença do sono ameaçou a Ilha do Príncipe [11]. Admitia-se

serem os barcos que alternadamente transportavam pessoas

e gado, desde 1825, que trouxeram para o Príncipe a “mosca

do Gabão” (nome que começou por ser conhecida na ilha a

glossina

), mas embora os casos de doença do sono fossem

raros, julgava-se a picada da mosca Tsé-Tsé, como inofensi-

va. A partir de 1877, após a chegada de serviçais vindos de

Angola

2

, a doença manifestou-se de forma epidémica. Em

1894, a Roça Porto Real recebeu 600 serviçais provenientes

deAngola (a maioria da região do Cazengo), a maioria ao fim

de 5 anos tinha desaparecido quase na totalidade, a maioria

vítimas da doença do sono que traziam incubada ou contra-

ída localmente. Em 1885 a mortalidade entre os serviçais

era assustadora, considerando-se a partir de 1890, como um

verdadeiro flagelo [11].

A população nativa, contabilizada em 3000 pessoas em 1885,

estava reduzida a 800 pessoas em 1900, e a 350 em 1907,

chegando-se a colocar a hipótese de se abandonar a ilha

[11]. Várias missões se deslocaram à ilha do Príncipe com

o propósito de estudar a doença do sono e o seu comba-

te,

3

. a primeira datada de 1901, na qual participaram Anibal

Bettencourt

4

e Ayres Kopke ( As investigações desenvolvi-

das foram direccionadas para o estudo da etiopatogenia da

doença. Embora não culminassem na descoberta do agente

infeccioso (que só viria a ser descoberto anos mais tarde por

Aldo Castellani, no líquido cefalo-raquidiano de portadores

da doença), [12]. essas investigações revestiram-se de valor

cientifico e desenvolveram-se a par dos trabalhos de Jose-

ph Everett Duton, Robert Michael Forde, Castellani, David

Bruce e Kleine, entre outros.

Os primeiros relatórios dos chefes dos Serviços de Saúde fo-

cavam mais a descrição geral do território e dos usos e costu-

mes dos povos do que propriamente documentos encarando,

exclusivamente o problema da saúde pública. Nem sempre

estas fontes de informação, são preciosas e estão em con-

sonância com o registo de casos de doença do sono. Nestas

fontes a referência a diversas situações clínicas que terminam

em morte, apresentam fortes probabilidades de serem casos

de doença do sono.

Data de 1855 a primeira referência clínica da doença do sono

na Guiné, feita pelo facultativo Francisco Frederico Hopffer

[6], e as descrições clínicas pormenorizadas de alguns do-

entes são feitas a partir de 1872

5

[7]. Cerca de 100 doentes

foram clinicamente diagnosticados até 1915, ano em que por

motivos de saúde pública e atendendo a que constatava exis-

tisse a doença do sono, foi criado o Laboratório de Bacte-

riologia, Parasitologia e Análises Clínicas, anexo ao Hospital

Militar e Civil de Bolama [8]. Esta instituição foi responsável

pela realização da primeira confirmação laboratorial do tri-

panossoma no sangue de um doente [9]. Dez anos mais tarde

o Atoxil foi utilizado por Santana Barreto [10].

Durante o primeiro quartel do século XX, a doença endé-

mica atinge proporções preocupantes na Guiné. O ano de

1925 é marcante: um europeu é atingido pela doença. Neste

mesmo ano, tem lugar em Londres a

Conferência Internacio-

nal sobre a Doença do Sono

, recomendando a organização de

Missões de estudo da doença nos espaços coloniais. Kopke

[13], representante português à conferência, esclarece que

agir é um imperativo humanitário e ao mesmo tempo um

imperativo de afirmação política da presença e ocupação dos

territórios.

A missão da Escola de MedicinaTropical (EMT) liderada por

Sant’Ana Barreto em 1926 confirma a existência da doença

no território, assente em evidência laboratorial (pela pri-

meira vez na Guiné, é encontrado o parasita no sangue e no

liquido cefalo-raquidiano) e alerta para a necessidade urgen-

te de tomar medidas para conter a doença [9]. Contudo, não

houve especial atenção para a doença do sono, chegando a

ser posta em causa a sua existência, quando em 1932 se or-

ganiza uma Missão de Estudo à Guiné, chefiada por Fontoura

de Sequeira. Este investigador põe termo às controvérsias,

demonstrando que a doença era endémica e que se impunha

tomar medidas urgentes por forma a controlar a doença e

evitar a propagação das glossinas [14].

A partir de 1934 o número de casos de doença aumenta ex-

traordinariamente, tornando-se relevante a endemia, a par-

tir de 1938, com 250 novos casos de doentes do sono (um

dos quais era europeu), atingindo o número de 936 casos

em 1940, devido à entrada na Guiné de milhares de pessoas

originárias das colónias francesas da África Ocidental (AOF),

fugindo à incorporação militar para combater na II Guerra.

No período que medeia a missão de Fontoura de Sequeira

(1932) e 1944, são diagnosticados 4461 casos de doença do

sono, passando esta a ser considerada a doença mais impor-

1

Por um lado, pela acção política de Honório Barreto, comerciante local e gover-

nador do território, que negociou com os soberanos locais, concessões territoriais,

depois cedidas graciosamente á coroa portuguesa; por outro lado, quando os inte-

resses portugueses foram negociados na Conferência de Berlim de 1884-85.

2

Vindos da região de Cazengo e das margens do Rio Cuanza.

3

Só uma campanha intensa que decorreu entre 1911 e 1914, erradica a

glossina

da

Ilha do Príncipe. Relatório final da missão da doença do sono da ilha do Príncipe,

1912-1914.A;

Archivos de Hygiene e Pathologia Exoticas

. 5(1):1-255).

4

Aníbal Bettencourt, director do Real Instituto Bacteriológico (mais tarde

Instituto Bacteriológico Câmara Pestana) liderou esta missão científica. Outros

colaboradores foram Gomes de Rezende (tal comoAyres Kopke, pertencia à Escola

Naval) e Correia Mendes (Director do Laboratório de Bacteriologia de Luanda).

5

Segundo o relatório de Francisco Hopffer [6], o estado da arte sobre a doença do

sono foi amplamente apresentado e difundido em 1871, pelos professores da Escola

Médico Cirúrgica de Lisboa (José António de Arantes Pedroso, Francisco José da

Cunha Viana e José Joaquim da Silva Amado), através da Sociedade de Geografia

de Lisboa, contribuindo para um esclarecimento das especificidades da clínica e

diagnóstico da doença junto dos facultativos nas colónias.