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nia, assume importância a fotografia da Paisagem como tra-

dutora visual do real. Retratar o território nas suas diferentes

feições, incluindo a sua geografia e topografia, dando-se

conta do relevo da paisagem, da hidrografia, da fauna

e da flora locais. O espaço africa-

no, um espaço perigoso, um espaço

de doença e de morte, para onde

os europeus não queriam emigrar

[37].

Ver e conhecer o trópico (mesmo

em papel) era necessário para po-

der compreender o imperativo de

agir no combate à doença, exal-

tando ao mesmo tempo a figura e

função da medicina colonial que era

exercida, enfrentando as adversida-

des do clima e da paisagem. Por ou-

tro lado, fica patente a ideia de uma

natureza intacta, inexplorada, ro-

mântica, exótica, disponível para a

intervenção de quem a olha, na me-

dida que a Medicina está presente

para enfrentar e confinar a doença,

favorecendo a “potencial vinda” de

colonos. Se por um lado, a fotogra-

fia revela o espaço da doença, por

outro, mostra a medicalização dessa

paisagem e vulgarizava as potencia-

lidades da paisagem entre a popula-

ção da metrópole (cf. Figura 3 e 4).

Progresso

Por vezes, o único rasgo de civili-

zação presente, é uma estrada, mas

também as pequenas edificações de

projecto colonial, captadas pela ob-

jectiva dos fotógrafos, conferia um

“ar de civilização” à paisagem. Sinais

da modernidade que serviam de

máscara ao estado inóspito e virgem

da paisagem.

A civilização domestica a paisagem.

Mais tarde, o olhar do fotógrafo,

leva-o a captar traços do progres-

so, traços da presença e afirmação

colonial no território. A construção

de casas, estradas, centros de saúde,

postos de administração colonial,

infra-estruturas de ciência e edu-

cação, contam-se entre os aspectos

que assinalam a presença e inter-

venção portuguesa na colónia (cf.

Figura 5 e 6).

A ocupação colonial também foi

uma ocupação simbólica do espaço. Os nomes portugue-

ses eram atribuídos a espaços locais. Sintomas de uma

“vida civilizada” que emerge. É o espaço do coloniza-

dor e, como tal, um espaço cuja linguagem visual ele

quer privilegiar [37]. As fotogra-

fias também fixam momentos que

deixam transparecer o “suposto”

sucesso da missão civilizadora,

como tradução do progresso civi-

lizacional como as que captam as

populações nativas que recorrem

às consultas e aos tratamentos nos

serviços da “missão do sono”, em

detrimento de irem à medicina

tradicional.

Nós...

Daqui decorre a importância de

focar o Europeu no exercício da

sua missão dedicada, enfrentando

as adversidades e contactando com

doenças estranhas. Divulgadas em

Portugal, estas imagens seriam

interpretadas como reveladoras

do interesse português nas coló-

nias, do efectivo desempenho na

missão civilizadora e da ocupação

efectiva, em nome do progresso,

da civilização e modernidade.

O colono aparece como agente

do bem, iluminando com as suas

vestes brancas as sombras da pai-

sagem africana. De início a repre-

sentação do colono foi meramente

decorativa. Fotografado em plano

de fundo, mas progressivamente

parece ter havido preocupação de

conferir contornos mais definidos

à sua figura, aproximando a objec-

tiva da câmara fotográfica. A ocu-

pação efectiva do espaço reflecte-

-se na ocupação de destaque na

fotografia. A inserção da figura do

colono na paisagem africana vem

sinalizar a possibilidade da sua

ocupação e habitabilidade graças

à modernidade introduzida pelo

regime colonial e onde se poderia

prosperar.

Aqui juntam-se dois elementos

importantes na valorização da fo-

tografia como instrumento de

perpetuação de uma imagem ou

de um momento que veicula uma

Fig. 3 -

Paisagem commancha de vegetação (1963). BCGP

XVIII (72): 627

Fig. 5 -

Pavimento duma rua com buracos onde se

encontram A. Gambiae, contudo em segundo plano está

patente uma construção colonial que se impõe na paisagem

(1962). BCGP XVII (65): 133.

Fig.4 -

Armadilha de Harris colocada num local de

existência de Glossina palpalis (1950). BCGPV (17): 65

Fig. 6 -

Enfermaria da Missão de estudo e Combate da

Doença do Sono (1949). BCGP IV(16): 764.

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