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Introdução
A schistosomose é uma doença crónica causada por parasi-
tas do género
Schistosoma
, sendo actualmente considerada a
segunda doença parasitária mais importante, cujo impacto
socio-económico nas regiões tropicais e sub-tropicais é ape-
nas ultrapassado pela malária [1, 2, 3].
O fármaco de eleição no tratamento e controlo da morbili-
dade da schistosomose é o praziquantel (PZQ) que, quando
utilizado nas dosagens recomendadas pela OMS (
Schistosoma
mansoni, S. haematobium, S. intercalatum:
40 mg/kg
; S. japoni-
cum, S.mekongi:
60 mg/kg
)
, tem revelado taxas de cura eleva-
das (75-85% para
S. haematobium
, 60-90% para
S. mansoni
, e
60-80% para infecções mistas de
S. mansoni
e
S. haematobium
)
[4, 5, 6]. A sua eficácia contra todas as cinco espécies que
afectam os seres humanos, a sua fácil administração, boa to-
lerabilidade e baixo custo são as características responsáveis
pelo sucesso deste fármaco [7, 8]. Desde meados de 1970
(séc. XX) que o PZQ tem substituído outros fármacos antes
utilizados no controlo da schistosomose, sendo um elemento
crucial na estratégia global de controlo da doença, reduzindo
bastante a prevalência e intensidade das infecções [9]. Em
virtude da sua utilização intensa, há mais de três décadas,
no controlo da morbidade em áreas endémicas, têm surgido
algumas preocupações relacionadas com o desenvolvimento
de tolerância ou resistência do
Schistosoma
spp ao PZQ [8, 9,
10]. Com efeito, têm sido reportadas taxas de cura cada vez
mais baixas após o uso de PZQ na região norte do Senegal.
No Egipto, após o tratamento de 1607 pacientes com duas
doses de 40 mg/kg e uma terceira dose de 60 mg/kg, veri-
ficou-se que 2,4% dos pacientes inicialmente tratados conti-
nuaram a eliminar ovos nas fezes [6, 11, 12, 13, 14]. Estudos
experimentais sobre fármaco-resistência demonstraram ser
possível seleccionar estirpes resistentes de
S.
japonicum
e de
S. mansoni
bastante tolerantes ao PZQ, administrando doses
subterapêuticas a murganhos [7, 8,10].
Vários estudos reportam a existência de diversidade genética
em
S. mansoni
de diferentes regiões geográficas, podendo esta
ser determinada por diferenças no genótipo de cada estirpe
de indivíduo [15, 16]. Alguns estudos mostram ainda que
S.
mansoni
apresenta diversidade genética não só entre diferentes
regiões geográficas, e intra-regionais, mas também entre es-
tirpes provenientes de diferentes hospedeiros intermediários
ou de diferentes hospedeiros definitivos [17]. Estes estudos
utilizam várias técnicas de
PCR
para detectar esta diversidade
genética incluindo a técnica de amplificação aleatória de DNA
polimórfico (
RAPD
). Embora alguma desta variação possa es-
tar associada a divergências temporais, alguns polimorfismos
genéticos podem estar associados ou ser marcadores de adap-
tação do parasita às pressões do ambiente que o rodeia, como
a pressão farmacológica [7, 8, 15, 16,17].
Este trabalho teve como objectivo realizar uma análise gené-
tica de estirpes de
Schistosoma mansoni
susceptíveis e resisten-
tes a PZQ por
RAPD-PCR
.
Materiais e métodos
Para este estudo foi utilizada uma estirpe de
S.mansoni
de Belo
Horizonte (estirpe BH) sensível ao PZQ (ES), cujo ciclo de
vida tem sido mantido no laboratório de Helmintologia há
vários anos, utilizando murganhos da estirpe CD1 como hos-
pedeiro definitivo e
Biomphalaria glabrata
como hospedeiros
intermediários.A partir desta estirpe foi desenvolvida a estir-
pe resistente (ER) a doses de 120 mg/kg de PZQ, através da
administração inicial de doses subterapêuticas de PZQ, sendo
a dosagem aumentada ao longo de vários ciclos.
Para análise de eventuais alterações genéticas, recolheram-
-se parasitas adultos de
S. mansoni
por perfusão do fígado
dos murganhos infectados. Os parasitas foram separados
por sexo e realizou-se a extracção de DNA tanto da es-
tirpe resistente (ER) como da estirpe normal (sensível a
PZQ). O DNA foi extraído utilizando o protocolo CTAB
modificado [18]. Os parasitas foram macerados em tubos
com 600 µl de tampão de extração CTAB pré aquecido
a 55ºC e com 10 µl Proteinase K (10 mg/ml). Os tubos
foram incubados a 55ºc durante 90 minutos com agitação
frequente. Após a incubação foram adicionados 600 µl de
clorofórmio:álcool isoamílico
(24:1), foi misturado por inver-
são durante 2 minutos e submetido a uma centrifugação
rápida. O sobrenadante foi transferido para um tubo novo
que continha 800 µl de etanol absoluto gelado.As amostras
foram centrifugadas a 8,000 g durante 20 min. O sobrena-
dante foi descartado e o
pellet
foi lavado com etanol a 70%
e centrifugado a 8,000 g durante 15 min. Após a centri-
fugação, o sobrenadante foi descartado e o
pellet
foi seco
e dissolvido em 50 µl de tampão TE. O DNA extraído foi
guardado a -20ºC até utilização.
A análise molecular foi feita por
random amplified polymor-
phic DNA-polymerase chain reaction
(
RAPD-PCR
). Foram se-
leccionados 10
primers
(Tabela 1), com sequências de 10
nucleótidos (Eurofins MWG Operon) uma vez que estes
tinham mostrado ser
ú
teis na detecção de polimorfismos
entre
S. mansoni
. [19]. As reacções de amplificação foram
realizadas utilizando GoTaq® Flexi DNA Polymerase,
onde, por cada reacção de amplificação foram adicionados
10 µl de 5x Green GoTaq® Flexi Buffer, 3 mM de Cloreto
de Magnésio (MgCl2), 0,2 mM de nucleotidos (cada), 10
pmol de
primer
, 2,5 u de Gotaq® DNA Polymerase e 10
µg de DNA para um volume final de 25 µl. A amplificação
foi a seguinte: um passo inicial de desnaturação de 92ºC
durante 5 min, seguido de 35 ciclos cada com desnaturação
a 92ºC durante 1 minuto, emparelhamento a 34º C durante
4 minutos e fase de alongamento a 72ºC durante 2 minu-
tos, após os ciclos realizou-se uma extensão final a 72ºC
durante 10 minutos. A electroforese foi realizada em gel
de agarose a 1,5% corado com brometo de etídio (EtBr).
Todas as amostras amplificadas com o mesmo
primer
foram
incluídas no mesmo gel.
Uma vez observadas as diferenças polimórficas entre pa-
Artigo Original