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A n a i s d o I HM T
tanto, e em termos globais, o seu peso faz-se sentir, em especial,
nas comunidades com baixos recursos e que vivem, frequente-
mente, em densos agregados populacionais sem infraestruturas
sanitárias adequadas, condições estas favoráveis à multiplicação
do seu principal mosquito-vetor (ver secções seguintes).
O número de infeções pelo DENV varia substancialmente de
ano para ano, sendo difícil estimar o seu real impacto na saú-
de humana devido a sub-notificação das infeções e erros no seu
correto diagnóstico (Suaya
et al
., 2007). Este aspeto é particu-
larmente relevante e impede, até hoje, a correta avaliação do
impacto das infeções pelo DENV em África. De facto, e em
virtude da incapacidade de confirmação laboratorial da etiolo-
gia das síndromes febris, mais de 70% deste são tratados como
malária, especialmente nas zonas onde esta última é endémica
(Amarasinghe
et al
., 2011).
Ciclo epidemiológico
Contrariamente à maioria dos arbovírus, a circulação do DENV
não está associada a ciclos de manutenção (enzoóticos) e ampli-
ficação (epizoótico). Nestes casos, as
infeções dos humanos são acidentais,
e não contribuem para a manutenção
do vírus na natureza já que os níveis
de virémia não parecem ser suficien-
temente elevados para garantir a infe-
ção persistente do vetor hematófago.
Ao contrário destes, o DENV sub-
siste na natureza através da infeção
de primatas não humanos e do Ho-
mem em ambientes ecológicos dis-
tintos. Enquanto os primeiros são os
hospedeiros do vírus em ambiente
silvático, o Homem é o hospedeiro
de manutenção e amplificação pre-
ferencial das estirpes epidémicas
de DENV, mantidas em ambiente
urbano num ciclo que envolve ex-
clusivamente humanos e mosquitos.
Normalmente, o DENV não é transmitido diretamente entre
humanos infetados, a não ser em condições excecionais, por
exemplo, através de transfusões sanguíneas ou transplantes de
órgãos ou de medula óssea (PAHO, 2009;Wiwanitkit, 2009).
Na grande maioria dos casos a transmissão do DENV ao Ho-
mem implica uma picada de um mosquito persistentemente
infetado com o vírus.
As espécies
Aedes luteocephalus
(
Stegomyia
) (Newstead 1907),
Ae-
des furcifer
(
Diceromyia
) (Edwards, 1913) e espécies do complexo
Aedes niveus
(Finlaya
) (Ludlow, 1903) são as mais frequentemente
incriminadas na transmissão silvática do vírus em África e no
Sudeste Asiático.
Aedes
(
Stegomyia
)
aegypti,
subespécie
aegypti
(Linnaeus, 1762) é considerado o vetor mais eficiente em ciclo
humano.
O vírus
À semelhança da generalidade dos flavivírus, o DENV é geneti-
camente diverso. No entanto, e ao contrário dos restantes mem-
bros deste género, o que conhecemos como DENV é, de facto,
um conjunto de 5 vírus geneticamente distintos (Nomile, 2013).
Apesar de partilharem um ancestral comum, os diferentes vírus
da dengue agrupam-se em linhagens geneticamente distintas (re-
visto porVasilakis &Weaver, 2008).Ainda que a caracterização ge-
nética dos vírus do serotipo 5 não tenha sido, ainda, apresentada
na literatura, vírus deste serotipo foramencontrados em amostras
de sangue e soro humanas colhidas durante um surto que assolou
o estado Malaio de Sarawak em 2007 (Nomile, 2013). Estes vírus
são capazes de replicar sem aparentes restrições emmacacos pre-
viamente imunizados contra DENV dos serotipos 1, 2 e 3, sendo
a sua replicação limitada emmacacos imunes contra DENV-4.Tal
facto sugere semelhanças antigénicas entre os vírus dos serotipos
4 e 5 (Nomile, 2013).Cada uma das quatro linhagens que foram,
até hoje, caracterizadas do ponto de vista genético, agrupa um
conjunto de vírus que partilha características antigénicas seme-
lhantes, isolando-os em serotipos.No seu conjunto, os 5 serotipos
do DENV parecem formar um sero-
complexo, onde a divergência antigé-
nica entre estirpes virais (definida pelas
características da proteína E dos seroti-
pos 1 a 4) pode atingir os 40% (Heinz
& Stiasny, 2012).Incluídas em cada um
dos serotipos de DENV podemos en-
contrar linhagens virais quer silváticas
quer epidémicas (estas últimas circu-
lantes em ambiente sinantrópico), e
para cada uma delas têm sido descritos
inúmeros genótipos (Vasilakis &Wea-
ver, 2008).As estirpes silváticas e epi-
démicas parecem estar isoladas quer
do ponto de vista evolutivo quer eco-
lógico. Ainda que as estirpes silváticas
tenham sido, até hoje, muito menos
bem estudadas que as epidémicas am-
bas são dotadas de potencial infecioso
para os humanos.Ainda que a actividade doDENV se faça registar
especialmente em meio urbano, a circulação em ambiente silvá-
tico de 4 dos 5 serotipos do DENV foi já descrita na Ásia (apenas
a circulação de DENV-2 foi descrita em África), levandoWang
e colaboradores a sugerir que o DENV tenha tido uma origem
asiática (Wang
et al
., 2000).[57]
As partículas virais infeciosas (ou viriões) do DENV apresentam
uma simetria icosaédrica e uma forma aproximadamente esféri-
ca, sendo limitadas externamente por um invólucro lipídico que
inclui duas glicoproteínas virais (M e E). Internamente, a nucleo-
cápside, de estrutura ainda não totalmente definida, e constituída
pela proteína C, encerra uma molécula de RNA em cadeia sim-
ples e de polaridade positiva, com cerca de 10.800 nucleótidos
(revisto por Mukhopadhyay
et al
., 2005). Este genoma, com um
Fig. 1.
Observação de partículas do vírus da dengue em
cisternas do retículo endoplasmático (créditos: Frederick
Murphy, Cynthia Goldsmith; disponível em
http://phil.cdc.
gov/phil/).