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Uma nova ameaça à nossa porta: consequências da dispersão
do vírus da dengue num mundo em constante mudança
A new threat at our doorstep: consequences of dengue dispersal in a constantly changing world
Ricardo Manuel Soares Parreira
Grupo deVirologia, Unidade de Ensino e Investigação de Microbiologia Médica/UPMM,
Instituto de Higiene e MedicinaTropical, Universidade Nova de Lisboa
Ricardo@ihmt.unl.ptJorge Luís Marques da Silva de Atouguia
Unidade de Ensino e Investigação de ClínicaTropical, Instituto de Higiene e MedicinaTropical,
Universidade Nova de Lisboa
Carla Alexandra Sousa
Unidade de Ensino e Investigação de Parasitologia Médica/UPMM, Instituto de Higiene e MedicinaTropical,
Universidade Nova de Lisboa
Resumo
Dos arbovírus transmitidos por mosquitos, o vírus da dengue (DENV)
é aquele que maior impacto exerce sobre a saúde humana. Ainda que
a sua dispersão esteja, em parte, dependente das condições ambientais
que determinam a dispersão do seu principal vetor (
Aedes aegypti
), a sua
distribuição pelo planeta tem sido imparável. Embora essencialmente
circunscrito a ambientes tropicais e subtropicais, este vírus afeta cerca
de 1/3 da população mundial. A inexistência de uma vacina eficaz ou de
terapêutica especificamente dirigida contra este vírus tornam o controlo
dos seus principais vetores a principal arma de que dispomos para limitar
a sua circulação. No entanto, a maioria das infeções são inaparentes e a
maior parte das manifestações clínicas são indistintas, sendo genericamen-
te englobadas na categoria das síndromes febris. Assim, a presença deste
vírus nem sempre é fácil de detetar. Adicionalmente, o estabelecimento
de populações vetoriais em ambientes urbanos abre oportunidade à apro-
ximação entre vírus e humanos, e ao estabelecimento de epidemias em
locais,
a priori
, pouco prováveis para que tal acontecesse. O surto de den-
gue na Madeira em 2012-2013 foi disso exemplo. Mais do que o impacto
na saúde e economia locais, esta situação veio revelar o quão difícil é o
controlo de circulação de arvobírus patogénicos, numa Europa parcial-
mente colonizada por outro dos seus principais vetores (
Ae. albopictus
) se
poderá revelar.
Palavras Chave:
Dengue, flavivírus, mosquito, febre de dengue,
Aedes
.
Introdução
Anualmente, entre 50 a 100 milhões de pessoas são infetadas
por um dos quatro serotipos do vírus da Dengue (DENV), es-
timando-se que mais de 2,5 mil milhões de indivíduos possam
viver sob risco de virem a ser infetadas por este vírus (WHO,
2008). De entre os vírus do género
Flavivirus
(família
Flavivi-
ridae
) que são transmitidos por artrópodes hematófagos, e em
particular por mosquitos, o DENV é o arbovírus (do Inglês
arthropode-borne virus
) que mais rapidamente se tem dispersado
Abstract
Dengue virus (DENV) is the mosquito-borne arbovirus with the
widest impact on human health. Although its dispersal is partially
conditioned by the environmental constraints that limit the distribu-
tion of its main vector (
Aedes aegypti
), DENV has been relentlessly
taking over the planet, especially in the last decades. Despite the
fact that it is mainly associated with the tropical and subtropical re-
gions, it affects up to 1/3 of the world population. In the absence
of any prophylactic vaccine or specific therapeutics, vector control
remains the best alternative to restrain its circulation. However,
most viral infections are either clinically silent, or expressed as a
non-specific fever syndrome. Therefore, viral activity may remain
undetected. Moreover, the establishment of thriving vector popula-
tions in periurban environments brings humans and viruses closer
together, and opens the possibility for the occurrence of unexpected
outbreaks. Such was the case of Madeira in 2012-2013. In addition
to its impact on the health of the local population, health services
and economy, this outbreak revealed how difficult it may be to con-
trol the circulations of pathogenic arboviruses, especially taking into
considerations that Europe is already partially colonized by another
DENV vector (
Aedes albopictus
).
KeyWords:
Dengue, flavivirus, mosquito, dengue fever,
Aedes
.
pelo planeta, especialmente durante os últimos 50 anos. Para
tal, têm contribuído dois fatores essenciais. Por um lado, a de-
gradação ambiental, que funciona como elemento facilitador da
multiplicação do vetor na vizinhança das habitações humanas,
consequentemente aumentando as probabilidades de contacto
entre humanos e mosquitos; por outro, a intensificação do tráfe-
go (humano e mercadorias), que permite transportar o DENV
e os seus vetores a longas distâncias.
ODENV afeta, especialmente, centros urbanos, não poupando,
no entanto, zonas rurais e atinge todos os níveis sociais. No en-
Artigo Original