49
A n a i s d o I HM T
a África, as Américas e a Europa, em associação estreita ao co-
mércio de pneus (Yee, 2008).A sua deteção em diferentes países
europeus vem sendo registada desde o início da década de 1970,
tendo-se assistido ao seu estabelecimento na Bulgária, França,
Mónaco,Grécia,Albânia, Itália,Holanda, Eslovénia,Croácia, Sér-
via, Bósnia e Herzegovina, Suíça e Espanha (Straetemans, 2008),
e à sua deteção na Bélgica (2000) e na Alemanha (2007 e 2010).
Esta expansão faz com que os territórios sob risco de epidemias
de dengue se estendammuito para alémda cintura compreendida
entre as latitudes 35°N e 35°S.
A doença
Após um período de incubação que varia, normalmente, entre os
4 e os 12 dias, a infeção por qualquer um dos serotipos do DENV
pode dar origem a um quadro clínico que engloba sintomatologia
diversa, com uma evolução clínica difícil de prever. Ainda que a
maioria das infeções não seja sintomática e se mantenha subclí-
nica, grande parte daquelas em que se registam manifestações
clínicas, normalmente incluem febre elevada (39-40ºC), mial-
gias intensas, cefaleias, dor retro-orbital, dores ósseas, artralgias
e astenia intensa; não são infrequentes sintomas gastrointestinais
como náuseas e vómitos, dores abdominais e diarreia.A partir do
3º dia da doença pode surgir um exantema cutâneo (semelhante
ao da rubéola), que pode levar ao aparecimento de prurido inten-
so, principalmente nas palmas das mãos e plantas dos pés. Com a
continuação do quadro febril é possível encontrar sinais de hipo-
tensão postural, e, inclusive, fenómenos hemorrágicos localizados
e limitados.A febre pode manter-se entre 3 e 7 dias,mas os sinais
e sintomas, sobretudo os osteoarticulares e a astenia, podem con-
tinuar durante várias semanas. Este quadro clínico, autolimitado e
sem complicações graves, designa-se por dengue clássico ou febre
da dengue (ou DF, do inglês
Dengue-Fever
).
O tratamento do dengue clássico baseia-se no suporte do doen-
te: a hidratação oral (com água, soro caseiro, água de coco), ou
endovenosa, se necessário, e a redução da febre são fundamentais
e estão indicadas em todos os casos. O paracetamol é o medica-
mento de primeira linha como antipirético e antiálgico. O ácido
acetilsalicílico e derivados, assim como os anti-inflamatórios não
esteroides, estão contraindicados pela sua possível interferência
com os mecanismos da coagulação; a dipirona deve ser utilizada
com algum cuidado por poder provocar hipotensão, agravando
os quadros de hipotensão postural nalguns doentes comdengue.
Uma pequena percentagem de indivíduos infetados (<5%), pode
ter uma evolução clínica com características graves.O quadro clí-
nico resulta da perda de plasma, acompanhada, ou não, de ma-
nifestações hemorrágicas (síndroma do dengue hemorrágico ou
febre hemorrágica da dengue; DHF do inglês Dengue Hemor-
rhagic Fever), com possível evolução para choque hipovolémico
(síndrome de choque da dengue; DSS do inglês Dengue Shock
Syndrome) (WHO, 1997). Embora esta classificação ainda seja
utilizada, é preferível englobar as manifestações severas de den-
gue num conceito único de Dengue Grave (WHO, 2012). Os
sintomas e sinais iniciais variamdesde a suscetibilidade aumentada
para hemorragias – diagnosticada pela prova do torniquete – até
às manifestações hemorrágicas espontâneas de pele (equimoses,
petéquias) e mucosas (nasais, gengivais), aumento do fluxo mens-
trual e sangramento urinário; com a evolução da doença, surgem
derrames pleural, peritoneal e/ou pericárdico, redução da pres-
são arterial, do fluxo urinário e do enchimento capilar, pulso fino
e rápido, palidez, extremidades frias, sudorese, sonolência, que
terminam no estabelecimento do choque, com o desaparecimen-
to do pulso palpável, ausência de diurese, coma e, finalmente,
morte. A mortalidade dos casos de choque associado ao dengue
variam entre 10 e 50%, dependendo dos estudos. Para estes in-
divíduos está apenas disponível terapêutica de suporte, mas esta
pode diminuir o número de fatalidades para menos de 1% dos
casos clínicos graves (WHO, 2009).Tanto quanto se sabe, as in-
feções primárias conferem imunidade protetora relativamente ao
serotipo viral infetante (Halstead, 1974).
Embora as infeções clinicamente graves possam ocorrer du-
rante uma infeção primária (Guzmán
et al
., 2000; Pang
et al
.,
2007; Guzmán & Kouri, 2008) e ser condicionadas por fatores
do hospedeiro (Halstead
et al
., 2001), são vários os estudos que
sugerem o importante papel que quer as infeções heterotípicas
secundárias (infeções com um serotipo viral diferente do asso-
ciado a uma infeção primária), quer o intervalo de tempo que as
separam entre si ou da infeção primária, parecem desempenhar
na progressão para dengue grave (WHO, 2012). O mecanismo
mais frequentemente invocado para explicar a evolução clínica
de infeção pelo DENV até DHF/DSS está associado à presença,
no indivíduo infetado, de anticorpos não neutralizantes, os quais
parecem contribuir para facilitar a entrada dos vírus em novas
células (ADE, do inglês
Antibody Dependent Enhancement
). Conse-
quentemente, o maior número de células infetadas não só con-
tribui para o aumento da virémia (nº de vírus circulantes), como
parece estimular a produção de citocinas pró-inflamatórias e ou-
tros mediadores da resposta imune, diretamente implicados no
aumento da permeabilidade capilar (revisto por Halstead, 2009).
No entanto, fatores genéticos virais parecem igualmente condi-
cionar a progressão clínica das infeções pelo DENV (Leitmeyer
et al
., 1999; Chevillon & Failloux, 2003; Messer
et al
., 2003).
Dengue na Europa
Até recentemente, a deteção de
Ae.aegypti
no continente europeu
ocorria de formamuito pontual (Snow&Ramsdale,1999;Brown
et al
.,2010),tendo este colonizado apenas a Geórgia e a sua região
de fronteira com o sul da Rússia. A presença do
Ae. aegypti
em
Portugal continental foi verificada até 1953 (Costa
et al
., 1956)
não tendo este sido encontrado em nenhum dos levantamen-
tos entomológicos efetuados desde então (Almeida
et al
., 2008;
2010). No entanto, tal viria a mudar em 2004, quando a presen-
ça de
Ae. aegypti
na Ilha da Madeira foi registada na sequência das
frequentes queixas apresentadas pela população da freguesia de
Santa Luzia da cidade do Funchal, que reportava picadas de um