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formance [39]. Uma observação de um ponto superior ao

terreno (tanto no sentido físico como imaterial). O panóp-

tico, consiste em unidades espaciais e temporais que facili-

tam a constante visibilidade e identificação. Neste sentido

podemos entender um duplo sentido: a própria estrutura

da “missão do sono” como (missão do sono ramificada pelas

enfermarias-tabanca). Por outro lado, todo o conjunto de

fotografias configura-se numa vigilância panóptica da pai-

sagem e do corpo do “outro”

Acto colonial: memória do Acto

Por vezes a fotografia capta instantes reveladores do acto

e da ordem colonial. Capta “encenações de poder”. A fo-

tografia traduz relações de poder. O controlo é articula-

do, inscrito e traduzido pelo corpo.

O controlo é traduzido pela disposi-

ção, distanciação e organização dos

corpos na fotografia. O rol de téc-

nicas seguidas para captar a fotogra-

fia, revela que não é o efeito estético

que impera mas o sentido [38]. Tal

como nas imagens de actos oficiais,

em que a população assiste ordeira

à presença da autoridade, também

nas Missões técnicas da “missão do

sono”, a população nativa ordeira,

alinhada, dócil e disciplinada se sub-

mete à inspecção médica dos corpos.

A “reportagem técnica” recorrendo

à fotografia, é uma estratégia fre-

quente de construir a memória do

Acto Colonial ao mesmo tempo que

emergem como argumento de de-

monstração e justificação da presen-

ça e empenhamento colonial. A lei-

tura discursiva engloba uma sequên-

cia de fotografias (cf. Figuras 8).

O significante de conotação não se

encontra então ao nível de nenhum

dos fragmentos da sequência, mas ao

nível do seu encadeamento [38].

As fotografias são apresentadas de forma sequencial, cons-

truindo uma narrativa de ordem, de fundamentação e jus-

tificação da intervenção dos actos médicos coloniais. Uma

narrativa visual, uma prova factual das fragilidades da pai-

sagem, espaço e contexto da doença e dos corpos doentes

para logo ilustrar a intervenção médica de conter o mal, de

curar os corpos.A exibição fotográfica, seguindo o modelo

de Reportagem do trabalho da missão no terreno, é uma

constante em todas as edições do Boletim.

Tomemos como exemplo o artigo de Cruz Ferreira, R.

Pinto e Lehmann de Almeida, intitulado “Estudo da An-

cilostomíase na Guiné Portuguesa” [40]. Uma sequência

que se inicia com o “local de defecação ao ar livre”, se-

guindo-se a população agrupada para ser examinada, os

técnicos debruçados sobre papéis em cima da mesa e um

grupo de crianças doentes. Atente-se na necessidade de

isolar hábitos de higiene desvalorizados pelo observador,

a exposição do controlo da população, a encenação do

trabalho e, por fim, o agrupamento de crianças que tes-

temunha a urgência do rastreio e tratamento europeu.

A partir dos anos 60, com o início da guerra colonial, as

fotografias deixam ver um maior protagonismo nas mis-

sões técnicas por parte de técnicos locais e de uma adesão

ao modelo ocidental por parte das pessoas que usufruem

dos serviços da missão.

O Mal à Flor da Pele/“Moral Leprosy” / Imagens

de corpos doentes, anormais, de-

formidades

Sempre foi preocupação do médico, re-

tratar a doença que se inscreve no exte-

rior do corpo, como forma de a docu-

mentar, emergindo a fotografia como

prática científica e material pedagógico. A

fotografia nesta lógica, compreende-se a

exibição destas fotos numa revista cientí-

fica como os

Anais do Instituto de Medicina

Tropical

, com circulação por uma rede mais

específica e especializada. Mas porquê a

sua representação no Boletim Cultural que

circulava por público mais alargado e não

especificamente médico.

Esta exibição de deformidades físicas pro-

vocadas pela doença, habitualmente restri-

tas á esfera privada do doente ou ao circulo

profissional da medicina, é justificada pela

ilustração da veracidade fotográfica que re-

força a construção do imaginário sobre o

“outro”. Imagens que apelam à curiosidade

científica e social. Imagens que despertam

um

voyeurismo

pelo

Outro

distante, com de-

formidades aberrantes, anormais, exóticas,

bizarras [41]. Inscrevem-se na “moral le-

prosy” (referida por RobertaMcGrath [42])

enquanto metáfora médica da anormalidade. A doença metafó-

rica que se inscreve no corpo social é traduzida (investigada, re-

latada e controlada) pelos corpos individuais, com deformidades

físicas, isoladas (cf. Figura 9 e 10).

Perante este “espectáculo” da patologia tropical, a missão colo-

nial, pela via da medicina é mais que justificada, enquanto for-

ma de restabelecer a ordem do corpo: físico, social e político.

A fotografia, como prática científica para uso social e político.

Política e Missão: Mediação

A entrada de académicos, jornalistas e políticos estrangeiros

nas colónias portuguesas, resultava de uma abertura estra-

tégica do império, numa perspectiva de propaganda do Es-

Fig. 10 -

Caso de elefantíase (1972). BCGP Vol.

XXVII (108): 751.

Fig. 9 -

Mulher com Boubas (1952). BCGP.Vol.VII

(26): 254v.

Artigo Original