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A n a i s d o I HM T

pode assumir múltiplos usos e que deve ser colocada a par

de outros modos de conhecer e organizar o mundo. È ne-

cessário saber e conhecer o que está para além da imagem,

questionar continuamente o que “lá falta” e “porque falta” e

“o que está” [33].

No seu conjunto, as imagens que ilustram os artigos publi-

cados pela “missão do sono”, contribuem para a construção

de um arquivo visual da história da Medicina no Império.

Um arquivo que se disseminou e ramificou por diferentes

circuitos e sectores da sociedade portuguesa. Um arquivo vi-

sual que não fornece imagens inocentes, traduzindo a visão,

entendimento e propósitos do colonizador. Não é em vão

que a primeira fotografia publicada no Boletim, no volume

inaugural, é a fotografia do percursor da política de coloni-

zação científica a seguir: Marcelo Caetano.

2.

ZOOMs

à missão: entre o visível e o invisível

O

corpus

fotográfico do

Boletim Cultural da Guiné Portuguesa

pode-se organizar sumariamente em três grandes grupos: as

fotografias dos actos oficiais inseridos numa ‘Crónica da Co-

lónia’; a fotografia etnográfica e a fotografia como ilustração

dos artigos científicos. Neste artigo, detemos o nosso olhar

e análise sobre algumas das fotografias que acompanham os

textos de investigação de Medicina Tropical, produzidos e

publicados pela missão do sono, na sua linha de contribuição

para a colonização científica e ocupação sanitária da Guiné.

Com um enfoque especialmente antropológico, quanto à

forma “como as coisas são vistas” e como aquilo que é visto é

entendido, as fotografias funcionam como objectos de troca,

ganhando um significado no ambivalente discurso da repre-

sentação, dependentes de modos de ver específicos e de uma

certa orientação do interesse [34].

As fotografias não têm indicação do autor, sugerindo que

são da autoria de quem escreve os textos. As únicas pessoas

identificadas nas fotografias são os colonos, sendo os locais

anónimos. As fotografias raramente surgem isoladas, mas

configuram-se num enquadramento de reportagem dos tra-

balhos de campo da missão

. Este universo imagético que enquadramos na fotografia

médica, enquanto realizações de uma missão médica, traduz

um olhar taxonomista que decompõe a realidade numa série

de metáforas discursivas [32]. Na sua totalidade pretendem

construir uma representação iconográfica que se pode tradu-

zir na fórmula: num território de paisagem e clima adversos,

onde múltiplas doenças proliferam perante a passividade do

Outro selvagem, é um imperativo Civilizador, levar a cabo

uma missão empenhada assegurada pela medicina colonial.

Contudo importa desvelar o “inconsciente óptico” [35]. A

materialidade das imagens tem a ver precisamente com o

discurso político, social e económico, e é inseparável da sua

função social [36]. Neste artigo procuramos desconstruir os

sentidos desse universo imagético, agrupando em categorias

de análise as diversas fotos captadas e publicadas no

Boletim

Cultural da Guiné Portuguesa

.

Mapas

Os instrumentos visuais produzidos pela “missão do sono”

são alusivos à representação do território. Muitos dos ar-

tigos são acompanhados por mapas descritivos da colónia,

cartografando o território em função dos diferentes vecto-

res, parasitas e focos de doenças.Também para a Medicina a

colónia da Guiné se foi construindo através de mapas. Mapas

que ilustram a acção, a progressão e ocupação do espaço pela

medicina europeia, como que conquistando território à do-

ença, mas também espaço à “medicina” gentílica. Conhecer

e reconhecer o espaço, passava pela sua representação no pa-

pel. Missão de Estudo e Combate da Doença do Sono: um

combate que nos remete para uma ressonância militar onde

o Mapa é um precioso instrumento de racionalizar o espaço

e representar o “inimigo” e as conquistas (cf. Figura 1 e 2).

Paisagem / Colonial Landscape

A par da representação abstracta dos Mapas médicos da coló-

Fig. 1 -

Carta de Distribuição das Glossinas (1950). BCGP,V(17):65

Fig. 2 -

Circuito de distribuição de Sulfonas pelo território da Guiné

(1959). BCGP XIV(56):630