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A n a i s d o I HM T
volver a sua acção enquadrada nas três secções. Nesta nova
fase a secção de investigação deu continuidade aos trabalhos
sobre a doença do sono e contribuiu para um melhor conhe-
cimento da nosologia da Província, publicando 16 trabalhos
de investigação sobre a Doença do Sono e 28 sobre outras
patologias e ensaios terapêuticos [16].
Enquanto a secção de recenseamento e tratamento de do-
entes reforça a sua acção, assegurando que toda a população
sujeita a contágio fosse observada pelo menos uma vez por
ano. Pela observação anual da população, assiste-se através
de todo o território, a uma diminuição gradual e progressiva
do número de doentes e do índice de tripanossomas em cir-
culação. O índice de evolução nervosa, inexplicavelmente,
mantém-se elevado [16].
A missão contribuiu para a expansão da Ocupação do territó-
rio pelos serviços da Missão, pelo trabalho levado a cabo por
médicos, enfermeiros, auxiliares de laboratório, microscopis-
tas entre outros. Resultante do trabalho de estudo e combate
desta missão, regista-se uma redução progressiva do índice de
tripanossomas em circulação entre 1951 e 1962, alcançando-se
um panorama revelador da preocupação e eficaz acção sanitária
colonial [17]. Assim, se se comparar em 1961 o panorama da
Doença do Sono com os territórios vizinhos, constata-se a acção
pertinente desta Missão
Em 1964 a missão é novamente reorganizada, passando a
designar-se
Missão de Combate às Tripanossomíases da Guiné
8
.
Desde 1962 que a Missão se defronta com falta de meios
técnicos, em especial de médicos. Ao ponto de em 1972,
nos seis sectores territoriais da Missão, apenas existir 1 mé-
dico. Este facto é agravado pelo decorrer da guerra colonial,
travada no território da Guiné a partir de 1963. Entre 1962
e 1972, não são publicados relatórios médicos da Missão.
O último relatório apresentado apresenta o movimento de
recenseamento de doentes neste período e o respectivo ín-
dice de tripanossomas em circulação. Em 1972 apesar das
parcas condições de trabalho e dos escassos recursos, foram
observadas 270.250 pessoas, sendo diagnosticados 24 novos
casos de doença do sono, graças ao trabalho empenhado do
corpo de Enfermagem e Microscopistas da Missão [19]. O
trabalho desta Missão manteve-se permanente no território,
até ao final do Estado colonial, aquando da independência da
Guiné, embora entre 1972 e 1974 já num estado latente.
1.2. Ocupação imagética: missão e fotografia
O processo de “Ocupação Científica”
dos espaços além-mar
e a imposição de uma ordem colonial recorreu a instrumen-
tos de controlo físico das populações e dos espaços domi-
nados [4], concorrendo para tal o recurso a instrumentos
administrativos, militares, religiosos, técnicos e científicos
(no qual se inclui a medicina).
Complementares a estes instrumentos “formais”, podemos
considerar os “instrumentos visuais”, que muito contribu-
íram para esse controlo [20]. A recolha e acumulação de
informação de natureza diversa, escrita e visual; os dados
coligidos e todo o conhecimento produzido e vertido para
o papel (relatórios, classificações, estudos, relatos, mapas,
desenhos, fotografias), onde se inscrevem as descrições de
espaços e populações “exóticas” [20], tiveram quase sempre
como destino a metrópole, disseminando-se por múltiplas
instituições e espaços. Toda essa informação, ao ser manu-
seada, classificada e arquivada, contribuiu para fomentar e
impulsionar nos espíritos imperialistas, sentimentos de pos-
se e de domínio sobre os territórios ocupados, “esbatendo” a
distância física [21].
Foi através da produção e circulação dessa informação (in-
dependentemente do grau de cientificidade) que o euro-
peu comum pôde conhecer e vislumbrar esses territórios e
essas gentes, aceder às realizações e evoluções coloniais. A
descoberta do espaço colonial, para a maioria da população
metropolitana, passou pela sua “descoberta” no papel. Áfri-
ca existia, na medida em que existia no texto, na fotografia
veiculada pelo suporte de papel [21]. A fotografia enquadra-
-se enquanto instrumento de um processo de transforma-
ção epistemológica e social, demonstrando que não pode
ser simplesmente e apenas ela mesma. Cada fotografia surge
num contexto que lhe confere um enquadramento históri-
co, instrumental e cultural [22]. A fotografia foi mesmo o
principal meio de tornar o mundo visível entre 1850 e 1950.
Esta hegemonia corresponde à hegemonia do colonialismo
contemporâneo. Uma coincidência temporal que se reflecte
na estreita relação entre fotografia e colonialismo [23].A fo-
tografia emerge como um potente veículo de representações
da realidade e aproxima. Esbate o espaço entre a observação
colonial periférica e o espaço da sua interpretação metropo-
litana [24].
A ocupação colonial também foi ideológica e simbólica, e
neste sentido, os registos iconográficos revelam-se essen-
ciais, ao criar imagens que tornam o desconhecido inteli-
gível, que “vulgarizam” a “África Portuguesa” para além da
simples ilustração de textos de temática ultramarina.A ima-
gem constitui-se como objecto discursivo sobre os espaços,
as pessoas, os objectos e acções. Um objecto condicionador e
facilitador, enquanto pretexto para um pensamento não ape-
nas da fotografia mas também da experiência que ela pre-
tende representar. A difusão de imagens, assume uma força
relevante nesse sentido. A fotografia ocupa um papel parti-
cular, entre os “instrumentos virtuais” da colonização e da
imposição de um saber e ordem colonial [20].
Desde o século XVI que os relatos dos espaços e populações
exóticas circulavam na Europa acompanhadas de gravuras e
representações fantásticas. Com o desenvolvimento da fo-
tografia paralelo ao crescimento e entranhamento social do
6
pelo Decreto n.º 40.885, de 28 de Novembro.
7
Como já tinha sido sugerido desde os primeiros anos da sua criação.
8
a partir de 1964 até 1974, segundo designação do Decreto n.º 45.541, de 23 de
Janeiro de 1964 e reorganização do Decreto n.º45.785 de 30 de Junho de 1964.