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da Silva estudou 20 casos que apresentavam ovos como os des-

critos por Sambon e demonstrou que não eram encontrados na

urina. Omédico baiano conseguiu fotografar e descrever um ovo

no útero do verme fêmea e a eclosão da larva (miracídio), assim

como as características dos vermes macho e fêmea.Os criteriosos

estudos de Pirajá da Silva consolidaramde vez a existência de nova

espécie do parasita e de nova forma da doença, a esquistossomose

mansônica [64].

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Robert Leiper, no Egito, e Adolpho Lutz, no Brasil, aprofunda-

riam os estudos do médico baiano, elucidando o ciclo biológico

do parasito. Lutz iniciou suas pesquisas em 1916. Apesar de ter

Leiper descoberto o ciclo evolutivo do

S. mansoni

nos

planorbíde-

os

, foi Lutz o primeiro a observar detalhadamente a penetração

do miracídio (embrião) no molusco (espécies dos gêneros

Pla-

norbis, Physa, Lymnaeus e Ampullaria

), a reação local que provocava

no tecido do caramujo, a formação dos esporocistos de primeira

e segunda geração, sua migração para as vísceras do hospedeiro,

onde tinha lugar o aparecimento das cercárias. Lutz estudou ou-

tras cercárias que se desenvolvem emmoluscos, ainda que não te-

nham o homem como seu hospedeiro final.Descreveu a saída das

cercárias, as condições favoráveis de iluminação e temperatura,

a morfologia, os movimentos e as condições de sobrevida dessas

formas larvárias.Obteve ainda a infecção experimental em diver-

sos roedores, e estudou a patologia da doença nesses hospedeiros

e emmaterial humano [65].

Adolpho Lutz trabalhava no Instituto Oswaldo Cruz desde 1908.

Sua chegada coincide com o auge da influência alemã sobre a insti-

tuição carioca.

As Memórias do Instituto Oswaldo Cruz

,inauguradas em

1909, até a Primeira Guerra Mundial difundiriam em português e

alemão os trabalhos de seus cientistas, inclusive Max Hartmann,

do Instituto de Moléstias Infecciosas de Berlim, e dois professores

do Instituto deMedicinaTropical de Hamburgo, o protozoologista

Stanislas von Prowazek e o químicoGustavGiemsa,que por alguns

meses trabalharamnoRio de Janeiro [66].VieramemseguidaHer-

mannDuerck,docente de anatomia patológica da Universidade de

Jena, e o protozoologistaViktor Schilling [58,59].

Fazendo o percurso inverso, em 1909-1910 os jovens médicos

recrutados por Oswaldo Cruz fizeramestudos de aperfeiçoamen-

to no exterior, alguns na Alemanha. Em 1909, Henrique da Ro-

cha Lima, braço direito de Oswaldo Cruz, que havia completado

sua formação médica em Berlim e Munique, aceitou o convite

de Duerck para assumir o cargo de assistente-chefe no Instituto

de Patologia de Jena. Oito meses depois, ingressou no Instituto

de DoençasTropicais de Hamburgo, onde faria brilhante carreira

científica. Nos quase vinte anos (1909 a 1927) em que atuou no

Tropeninstitut

, foi o mediador mais ativo das relações entre Brasil e

Alemanha. Continuaria a promovê-las mesmo depois de retornar

ao Brasil, em 1928 [67].

Mas então as relações entre as medicinas brasileira e alemã eram

ofuscadas pela hegemonia dos Estados Unidos. Muitos estudos

interessantes têm sido feitos sobre os esforços de instituições,

empresas e dos Estados alemão e francês para recuperar posições

perdidas no pós-guerra,no Brasil e outros países sul e centro ame-

ricanos [68]. Começamos esta apresentação falando de médicos

viajantes que desbravaram territórios longínquos do globo e do

conhecimento, entretecendo frágeis relações uns com os outros

e com seus lugares de origem, e terminamos num mundo mais

integrado e interdependente, onde a ciência é produzida e posta

em circulação por equipes de instituições subordinadas a políticas

de Estado e a agências internacionais de saúde.

Em 1926 a medicina tropical entrou para o currículo da Facul-

dade de Medicina do Rio de Janeiro, tendo como seu primeiro

catedrático Carlos Chagas, o descobridor da tripanossomíase

americana.Ao proferir sua aula inaugural Chagas enfatizou a im-

portância que essa especialidade adquirira no contexto brasileiro

por sua importância científica e social. Para Chagas, “deveres do

mais exaltado e previdente nacionalismo nos obrigam ao estudo

e à pesquisa da nosologia brasileira, a fim de promover o aperfei-

çoamento de nossa raça, de raros predicados nativos, e de realizar,

pelo método profilático, a redenção sanitária de nosso vasto ter-

ritório” [69]. Seu filho Evandro Chagas, cerca de uma década de-

pois, ao dedicar-se ao estudo da leishmaniose visceral americana,

considerada uma nova entidade nosológica no Brasil, iria reforçar

os estudos de medicina tropical no país. Ela encontrou acolhida

em outras instituições científicas, como o Instituto de Patologia

Experimental do Norte (IPEN), atual Instituto Evandro Chagas,

criado no Pará (Amazônia brasileira) em 1936, ou o Instituto Bio-

lógico de DefesaAgrícola eAnimal, criado em em São Paulo, em

1927, e que dez anos depois, já sob a direção de Henrique da Ro-

cha Lima, passou a chamar-se Instituto Biológico. Grupos e insti-

tutos de pesquisa foram formados depois em várias universidades

brasileiras para o estudo de doenças tropicais, tendo como ele-

mentos motrizes principalmente a malária, a Doença de Chagas,

as leishmanioses, as hepatites e arboviroses como febre-amarela e

dengue. A medicina tropical no Brasil vem buscando manter-se

em sintonia com a agenda internacional, mas sem perder de vista

as doenças reinantes ou emergentes no Brasil.

4. Para concluir

A história da medicina tropical é um campo de investigação privi-

legiado, que tem suscitado nas últimas décadas um interesse cres-

cente de investigadores com formações disciplinares distintas, na

medida em que permite reflexões fecundas sobre a circulação e

apropriação de saberes e de “experts” a um nível global, uma vez

que o carácter geograficamente definido dos problemas médicos

e científicos que coloca, é transcendido pela organização política

e económica imposta pelas agendas coloniais de diversos países.

Neste artigo apresenta-se um quadro sintético da emergência e

consolidação da medicina tropical, como uma nova área discipli-

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Em 1908, ele foi à Inglaterra para encontrar-se com Manson, seguindo

depois para a França, onde fez estudos de aperfeiçoamento no Instituto

Pasteur, em 1908 e 1909. Diplomou-se em 1911 como médico colonial

pela Universidade de Paris, onde trabalhou com Rafael Blanchard. Re-

tornou em 1912 ao Instituto de Medicina Tropical de Hamburgo (onde já

estivera em 1909). Perante o parasitologista Fridedrich Fülleborn e outros

cientistas, apresentou os resultados de suas pesquisas, e assim que voltou

ao Brasil, naquele mesmo ano, publicou nos

Archives de Parasitologie

trabalho sobre a cercária do esquistossomo encontrada no caramujo

Pla-

norbis bahiensis

, sendo o primeiro a descrever a forma larvária do verme.

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