S28
Artigo Original
6.
Comentários finais
Observatórios no mundo inteiro têm buscado alterna-
tivas inovadoras de comunicação: o Observatório Por-
tuguês dos Sistemas de Saúde elabora anualmente um
relatório (Relatório da Primavera) sobre as questões
consideradas mais relevantes da política de saúde no
ano correspondente, e convoca gestores e mídia para a
sua apresentação
(http://www.opss.pt/sites/opss.pt/files/Relatorio_Primavera_2017.pdf). O Observató-
rio Europeu de Políticas e Sistemas de Saúde promove
policie dialogs
(http://www.euro.who.int/en/about--us/partners/observatory/activities/policy-dialo-
gues/) e produz policy briefs
(http://www.euro.who.int/en/about-us/partners/observatory/publications/
policy-briefs-and-summaries). São formas de tornar o
conhecimento científico produzido como um insumo
que influencie processos decisórios em saúde.
O OAPS está imbuído de princípios de democracia, di-
reito à saúde e defesa de sistemas universais. Dialogar
com gestores tem sido reconhecido como fundamen-
tal, mas não suficiente para contribuir para a adoção de
políticas mais equitativas. Nesse sentido, tem buscado
produzir materiais para públicos distintos (gestores, es-
tudantes, profissionais de saúde e movimentos sociais),
como documentários em vídeo e boletins, sendo alguns
projetos implementados e outros em fase de formula-
ção. Essa tem sido uma preocupação constante dos pes-
quisadores que lideram a condução do OAPS e, apesar
de resultados já alcançados, consideram que a interlo-
cução com os movimentos sociais ainda tem um grande
potencial para se desenvolver de forma mais efetiva.
No que tange à equidade, trata-se de um princípio
constitucional da Seguridade Social no Brasil e uma
imagem-objetivo do SUS que tem sido esboçada no âm-
bito de políticas públicas de sistemas universais de saú-
de em vários países do mundo. Concetualmente, é um
termo ainda cercado de imprecisão, cujas interpreta-
ções e formas de operacionalização não são claras nem,
tão pouco, consensuais. Como assinalamVieira-da-Silva
e Almeida-Filho (2009) [39], a maioria dos estudos em-
píricos não se preocupa especificamente com a explici-
tação dos conceitos adotados, havendo superposição e
diversidade de significados quando abordados termos
como equidade, iniquidade, diferença, disparidade e
desigualdade.
Embora internacionalmente a temática tenha sido lar-
gamente explorada, com a criação, inclusive de centros
de documentação sobre iniquidades em saúde [40], no
Brasil a produção é mais recente, crescendo especial-
mente a partir de 1989 [41]. Um recente estudo de
revisão que analisou o emprego do princípio da equi-
dade nos estudos brasileiros em saúde [42] observou
que apenas 34 (de um total de 422 artigos originais, ou
seja, cerca de 8%) discutiam o conceito de equidade.
Destes, a maioria (21) atrelava
a noção
de equidade
ao elemento de justiça social. Nesse sentido, a alocação
de recursos públicos teria o propósito de eliminar as
iniquidades, promovendo uma discriminação positiva
em rela
ção àqueles “menos favorecidos”,
“mais
pobres”, “mais vulnerados” ou aqueles “sem condições
de arcar com suas necessidades de saúde via modelos
liberais de mercado” (p.125).
A associação entre iniquidade/injustiça equidade/justi-
ça social não resolve, contudo, os problemas concetuais
e operacionais que circundam o tratamento da questão
da equidade, uma vez que há inúmeras interpretações
do que sejam necessidades de saúde e várias formas
de se compreender a justiça formal [39]. Mesmo não
sendo propósito deste artigo aprofundar esta discussão,
não é possível negligenciar algumas questões importan-
tes trazidas neste debate:
- A primeira delas é reiterar que a equidade continua a
ser um termo nebuloso, permanecendo atual a necessi-
dade de se aprofundar o debate teórico e metodológico
que envolve essa noção, que se configura como uma das
mais importantes proposições do SUS. Com a realiza-
ção do referido trabalho teórico sobre a noção de
equi-
dade
[39] os autores examinaram certas possibilidades
abertas pela obra
Além da Justiça
[43], quando a filósofa
húngara admite um outro critério para a equidade:
para
cada um, aquilo que lhe é devido por ser um membro de um
grupo ou categoria essencial
.Assim, o conceito de
equidade
permitiria orientar a identificação de determinado
gru-
po
ou
categoria
que seria alvo especial de intervenção.
Este processo, desenvolvido na esfera pública, possibi-
litaria a existência da justiça, como
responsabilidade simé-
trica, comunicação e cooperação
[43]
.
- A segunda é assinalar que a opção pela equidade en-
quanto um princípio de justiça social não pode ser me-
ramente
formal.Aocontrário, ela opera discriminações
de fundo e inclui a definição de políticas de inclusão
social num movimento de discriminação positiva [12,
44, 45, 46]. Por isso mesmo, a equidade tem-se cons-
tituído num dos temas mais debatidos nos países que
adotaram como modelo sistemas públicos universais. A
equidade exprime a responsabilidade coletiva de reali-
zação de um princípio de justiça social. Como assinala
Blais (2003) [47] “a saúde constitui, entre outros, um
dos bens que devem promover a justiça”.
- Por fim, cumpre reconhecer que os ganhos de univer-
salidade não reduzem necessariamente as iniquidades
em saúde. Pelo contrário, a literatura tem demonstrado
que nem sempre ou quase nunca as intervenções volta-
das para a melhoria de indicadores de saúde apresentam
correspondência com a sua melhoria entre os grupos
mais excluídos. Contrariamente ao que se supõe em ge-
ral, a melhoria daqueles faz-se pela elevação dos valores