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A n a i s d o I HM T
o governo e as organizações médicas profissionais (Ferreira,
1990: 459-89; Costa, 2009: 198-211; Campos e Simões,
2014: 33-7)
27
.
Em termos da sua organização interna, o Instituto ganha mais
espessura com a criação das disciplinas e dos departamentos
(de saúde pública, da clínica das doenças tropicais, de parasi-
tologia, de microbiologia e de epidemiologia) para melhorar
a capacidade de coordenação interna e a criação de novos
laboratórios, assim estabelecendo um padrão que serviu de
orientação para as décadas seguintes
28
. O novo regulamento
sublinhou também a importância da formação pós-graduada
e da atribuição de bolsas de estudo, da criação de núcleos de
investigação e do intercâmbio institucional
29
.
A fundação dos Institutos Provinciais de Saúde em Angola
e Moçambique em 1970, permitiu entretanto intensificar
colaborações em termos de investigação, planeamento e
formação entre o IHMT, os Institutos Provinciais e as Fa-
culdades de Medicina nestes territórios (ENSPMT, 1971:
39/40; Cambournac, 1973: 82; Casaca, 1973; Medeiros,
1973; Abranches, 2004: 115-7) contra o pano de fundo do
conflito armado
30
.
3.
A Globalização da Saúde Pública
e da MedicinaTropical (1974-hoje)
Enquanto durante as primeiras décadas do século XX, o es-
tudo de um número limitado de doenças, como a doença do
sono e a malária, tiveram um papel preponderante na ação
do Instituto e na sua produção científica, a partir de mea-
dos dos anos setenta as atenções centraram-se numa cada vez
maior diversidade de patologias, incluído a leishmaniose, o
dengue e a doença de Chagas. Nos anos oitenta, o IHMT
dedica-se também à investigação de novas patologias como
o vírus da imunodeficiência humana (VIH). Estas mudanças
estavam não somente relacionadas com as mudanças políti-
cas nacionais, a seguir à revolução de Abril de 1974, mas
também a mudanças na conjuntura internacional, com a
adesão de Portugal à Comunidade Europeia em 1985, bem
como a sua ‘reintegração’ nas organizações internacionais de
onde tinha sido excluído durante a guerra colonial.
A queda do Estado Novo alterou radicalmente o contexto
político do país, abrindo o caminho para novas abordagens
sobre a saúde pública e sistemas de saúde. A fundação do
Serviço Nacional de Saúde (SNS) em 1979 teve um impacto
profundo sobre a saúde preventiva e curativa em Portugal
(Ferreira, 1990: 497-533; Campos e Simões, 2014: 40-9;
Barbosa, 2014)
31
. Por conseguinte, nas próximas décadas, as
linhas de investigação, ensino e intervenção do IHMT fica-
ram cada vez mais ancoradas no conceito de saúde pública e
cuidados primários de saúde, impulsionado pela conferência
de Alma Ata em 1978.
O fim do império obrigou também a um repensar do papel
do Instituto no que diz respeito as antigas colónias que en-
13- Os relatórios anuais dos Serviços de Saúde de Angola e Moçambique mostram
que durante o conflito, as publicações e colaborações internacionais dos médicos do
quadro diminuíram significativamente e que estavam essencialmente circunscritos
as relações com a metrópole; ver Relatório, Serviços de Saúde e Assistência de
Angola, Síntese das Actividades durante o ano de 1971, Luanda;Arquivo Histórico
Ultramarino (AHU), MU (Ministério do Ultramar), Fundo DGSA (Direção Geral
de Saúde e Assistência),AHU, MU, DGSA, RSH-004 Serviços de Saúde de Angola.
E também, Relatório, Situação Sanitária da Província de Moçambique, Secretaria
Provincial de Saúde e Assistência, Setembro 1971, Lourenço Marques; Arquivo
Histórico Ultramarino (AHU), MU (Ministério do Ultramar), Fundo DGSA (Di-
reção Geral de Saúde eAssistência),AHU, MU, DGSA, RSH-004 Serviços de Saúde
de Angola e AHU MU DGSA RSH-004 Serviços de Saúde de Moçambique.
14-Ver OMS, Conseil Exécutif, Comité Régional d’Afrique, Rapport de la Huitiè-
me Session, Monrovia, EB23/26, 23-12-1958: 4.
15- Ver AHU, MU, DGSA – RHS-015 OMS,Vol.V: Processo 7/4, subprocesso 3.
Para a representação portuguesa em organizações internacionais que antecederam
a exclusão de Portugal destas reuniões, ver Shapiro (1983): 310-16. Em 1962, as
Nações Unidas decidiram criar um programa virado para as colónias portuguesas,
nomeadamente
Special (Health) Training Programme for Territories under Portuguese Ad-
ministration
, para preencher lacunas quanto aos recursos humanos, nomeadamente
para profissionais de saúde. 16-
16- See ‘Suspension of Portugal’s Rights: Resolution passed by Health Assembly
Committee’, United Nations Press Services, Press Release, H/1899, 16-5-1966;
AHU, MU, DGSA – RHS-015 OMS, Vol. V, Subprocesso 2; ver também Shapiro
(1983): 329/30.
17- See OMS, Presse, Communiqué AFRO69/031, 22-9-1969;AHU, MU, DGSA,
RHS-015 OMS.
18- Ver por exemplo os seguintes docentes do IMT: Salazar Leite, Alexandre Sar-
mento, M.A. de Andrade e Silva e Manuel Reimão Pinto;AHU, MU, DGSA, OMS,
Processo 7/7, OMS Peritos. Para a defesa feita por Salazar Leite em prol das políti-
cas de saúde coloniais e a sua crítica da‘politização’ da medicina tropical na Assem-
bleia da ONU em 1967, ver Shapiro (1983): 334. Sobre a exclusão de Portugal dos
apoios científicos e financeiras da OMS, ver o discurso do mesmo como deputado
na Assembleia Nacional, ver:
Diário das Sessões da Assembleia Nacional
, IX Legislatura,
3, 113, 15-12-1967: 2137.
19-Ver também paraAngola, Eduardo dos Santos,
L’assistance médicale dans les maquis
angolais
, Lusaka, Dezembro 1969, SOAS Archives, Londres, Portuguese Colonies
Collection, MS 346184/1-10 (Box 1); e para a Guiné, PAIGC. Partido Africano
para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Departamento de Saúde. Evolution
et bilan pendant dix années de lutte, 1974, Centro de Informação e Documentação
Amílcar Cabral, Lisboa.
20- Outros países, como o Reino Unido e a França, introduziram novas formas de
financiamento através de programas como a Colonial
DevelopmentWelfare Act
(1940
& 1945) e FIDES (
Fond d'Investissement pour le Développement Économique et Sociale des
Territoires d'Outre-Mer
, 1946) respetivamente, incluindo a área da saúde pública e da
medicina tropical, programas esses que facilitaram a ‘descolonização’ de políticas e
conceitos na intervenção, investigação e o ensino e a transição para a saúde interna-
cional (Power, 1999: 105-128).
21- Ver DL nº. 47.102 de 16 de Julho de 1966 para a criação da ENSMPT, e DL.
Nº.47.102, 16-7-1967 para o regulamento da nova Escola.
22-Ver DL. Nº. 47.951 de 21 se Setembro de 1967.
23- Houve quem, no Instituto, tivesse exprimido dúvidas acerca da possível dupli-
cação de serviços, do aumento dos custos operacionais e da falta de financiamento
como consequência da fusão de 1966 (Leite, 1967: 1885). O orçamento do IMT
atinge o seu auge em 1969, descendo a seguir a valores semelhantes (corrigidos
para a inflação), antes da sua fusão com a ENSP (Azevedo, 1976: 32).
24- No caso do surto de cólera em Lisboa em 1971, que testou a capacidade de
intervenção rápida das instituições na área da saúde pública, a ENSPMT colaborou
com o Instituto Nacional de Saúde, o Instituto Bacteriológico Câmara Pestana e o
Laboratório do Hospital de Santa Maria sob a coordenação da Direção Geral da
Saúde (Ferreira, 1990: 553-68).
25- Durante a vigência da ENSPMT a revista do IMT foi rebatizado Anais da Escola
Nacional de Saúde Pública e de MedicinaTropical (1967-1972).
26- DL 372/72, in: Diário do Governo, 1.ª Série, Nº 230, 02-10-1972 e DL
206/73, in: Diário do Governo, 1.ª Série, Nº 106, 05-05-1973.
27- DL 413/71, in: Diário do Governo, Série 1, nº. 228, 27-9-1971 que estabele-
ceu o direito universal a cuidados de saúde, e DL 414/71, 27-9-1971 que reorga-
nizou o Ministério de Saúde.
28- As disciplinas em questão foram saúde pública, administração sanitária, higiene
materno-infantil e pediatria social, clínica das doenças tropicais, dermatologia e
venereologia, entomologia, helmintologia, protozoologia, bacteriologia e imuno-
logia, virologia, micologia, epidemiologia, e bioestatística.Ver DL nº. 206/73 de 5
de Maio 1973. A proposta inicial para a ENSPMT submetida em 1962 foi contudo
diferente, por já prever a criação de onze cadeiras, incluído antropologia cultural,
medicina de trabalho, higiene mental e formação sanitária (Câmara Corporativa,
1962: 1561). A cadeira de bioestatística foi introduzida pelo DL nº. 43.387, in:
Diário do Governo, 1ª Série, nº. 283, 7-12-1960, e a cadeira em antropologia tro-
pical no mesmo ano; ver DL 43.161, in: Diário do Governo, 1ª Série, Nº. 212,
12-09-1960
29-Ver os artigos 1º, b, c, f, h, e art.º 2º c, do DL nº. 206/73.
30- DL. Nº. 509/70, in: Diário do Governo, 236/70 Série I, 12-10-1970.
31- DL n.º 56/79, in: Diário da República. Iª Série, N.º 214, 15-9-1979.Ver tam-
bém a Lei de Bases da Saúde, DL Nº. 48/90, 24-8-1990, in: Diário da República,
1ª série, nº. 191, por exemplo Base I, 1-4 sobre o papel do Estado na promoção
da saúde pública, e o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, DL. Nº. 11/93, in:
Diário da República, Série 1-A, nº. 12, 15-1-1993.