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bilharziose e lepra também foram estudadas e tratadas pelos

seus quadros. Precursores da globalização da saúde pública, es-

tas Missões e programas de erradicação e controlo de doenças

endémicas estabeleceram um padrão de organização do espa-

ço, da recolha de dados clínicos, de prevenção e tratamento

das populações, e de ensaios clínicos com novos fármacos, um

modelo que foi desenvolvido através das experiências acumu-

ladas com o combate à doença do sono na África subsaariana.

Organizadas e equipadas a partir da metrópole com base num

conceito vertical de saúde pública, estas missões pretenderam

erradicar e controlar doenças endémicas nas colónias através

de campanhas de larga escala que focaram determinadas pato-

logias, deixando os cuidados ditos ‘horizontais’ para os servi-

ços de saúde das respetivas colónias

3

.

O Combate estava intimamente ligado à investigação pelo que

uma parte significativa dos recursos humanos e financeiros da

EMT/IMT era canalizada para a pesquisa nas Missões de Com-

bate à Doença do Sono e a outras endemias criadas a seguir à

II Guerra Mundial. Para suportar estes encargos, o orçamen-

to do Instituto aumentou significativamente durante os anos

cinquenta, recebendo uma parte da

contribuição do Ultramar

,

tal como a Junta das Investigações Científicas do Ultramar

(JICU)

4

, o Hospital do Ultramar e a Agência Geral do Ultra-

mar (AN, 1956). No caso da Guiné, o combate à doença do

sono e aos seus vetores estendia-se a toda a colónia criando

novas infraestruturas para este efeito (Havik, 2014), enquan-

to as campanhas em Angola se limitaram em grande parte às

regiões do Norte e em Moçambique, onde a doença do sono

tomava a forma de uma epizootia, afetaram o Centro e Norte

do território. Neste contexto, o médico Fernando Simões da

Cruz Ferreira, que chefiava a Missão na Guiné, representou o

IHMT no comité de peritos da OMS sobre a doença do sono.

Se bem que as atividades do Instituto até 1974 se cingissem

principalmente às colónias Portuguesas em África e Ásia, con-

sideradas o alvo principal da sua ação

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, um dos aspetos for-

mativos da especialização do Instituto surgiu em Portugal,

nomeadamente no quadro do combate contra a malária ou

sezonismo.Tal como Espanha, Itália e Grécia, também se de-

senvolveram programas em Portugal para erradicar a doença

e o vetor, e introduzir cuidados preventivos em áreas onde era

endémica. A partir dos anos trinta intensificaram-se as cola-

borações internacionais com o Comité de Saúde da Sociedade

das Nações e a Fundação Rockefeller, que resultaram na cons-

trução da Estação Experimental de Benavente e, mais tarde,

do Instituto de Malariologia de Águas de Moura (Saavedra,

2003)

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sob a direção de Francisco Cambournac desde 1939,

que desenhou o plano nacional da campanha anti malárica.

Este malariologista ingressou em 1942 no Instituto de Medi-

cinaTropical (IMT), assim conhecido desde 1935.

O alcance das intervenções do Instituto sobre a malária au-

mentou significativamente com o apoio da OMS a partir da

sua criação em 1948. Nas colónias, as campanhas de estudo

da malária estavam entregues às Missões de Prospeção de

Doenças Endémicas, e o combate às diferentes Missões de

Combate de endemias, incluindo também a doença do sono

e, mais tarde, a tuberculose (Azevedo, 1976: 54-6). Finan-

ciadas através de verbas disponibilizadas pelo Ministério do

Ultramar, as missões colaboravam com os serviços de saúde

das colónias, e com as autoridades administrativas locais e

provinciais. Estas missões, sobre as quais o Instituto exercia

a tutela, estabeleceram redes de serviços clínicos, laborató-

rios de análise e brigadas móveis

7

. As intervenções das Mis-

sões Permanentes incluíram recenseamentos, vacinações em

massa, saneamento, campanhas de sensibilização e profilaxia,

como a distribuição de fármacos anti maláricos e mosqui-

teiros, além de medidas de erradicação de vetores como a

pulverização com inseticidas.

Baseado na experiência acumulada do Instituto e seguindo

as linhas de orientação da OMS, o combate à malária obteve

sucessos notáveis nas Ilhas de CaboVerde nos anos cinquen-

ta, a começar pela Ilha do Sal nos fins dos anos quarenta.

Outras campanhas foram conduzidas em Angola, Moçambi-

que, Guiné, São Tomé e Príncipe, Goa, Macau e Timor. As

experiências entretanto obtidas pela Fundação Rockefeller

no Brasil, Itália e Egipto e o Programa de Erradicação da Ma-

lária, lançado pela OMS em 1955 (que não incluiu o conti-

nente africano), marcaram uma mudança radical no combate

contra a doença e na sua organização (Cambournac, 1966).

OVI Congresso Internacional de MedicinaTropical e de Pa-

ludismo, que o IMT acolheu em 1958, e que coincidiu com a

inauguração do edifício onde hoje se encontra instalado, per-

mitiu lançar novos olhares sobre as suas colaborações com

as autoridades sanitárias coloniais de então e a organização

desses serviços, as suas atividades e a sua produção clínica

e científica (IMT, 1958). Os principais temas do Congresso

debatidos pelos foram a parasitologia, epidemiologia, clíni-

ca, controlo e erradicação da malária, tripanossomíase, fila-

ríase, leishmaniose, schistosomose e amebíase, mas também

a nutrição, o saneamento doméstico e industrial, e a bioesta-

tística (IMT, 1958). A sua organização também refletia a ên-

fase crescente dada ao combate a malária por as campanhas

em curso contra a doença de sono terem entretanto reduzi-

dos drasticamente a incidência desta nos focos endémicos na

Guiné e no Norte de Angola (Cambournac, 1971: 421-3).

2.2. Infraestruturas e redes de investigação

permanentes nas colónias

Já previstos na reforma dos serviços de saúde coloniais de

1945 e no regulamento interno do IMT de 1955, e entre-

tanto reclamados pela direção de Fraga de Azevedo, o esta-

belecimento dos Institutos de Investigação Médica (IIM) em

Angola (IIMA) e Moçambique (IIMM) em 1955, permitiu a

criação de entidades autónomas vocacionadas para a medi-

cina tropical e o controlo de doenças endémicas no espaço

colonial (Azevedo, 1958: 66)

8

.A comparação feita com ins-

tituições já existentes em territórios vizinhos, por exemplo

na África Ocidental e Central Francesa (AOF e AEF), e nas

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