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A n a i s d o I HM T
colónias britânicas e belgas, servia para propor um enqua-
dramento que se coadunava com os recursos limitados do
IMT e incentivar colaborações científicas trans-coloniais
9
.
Ao incorporar outros organismos já existentes como a Co-
missão para a Prospeção de Endemias em Angola e da Es-
tação Anti-Malárica de Lourenço Marques (EAM), os IIM
estenderam as suas intervenções para o estudo e a imple-
mentação de medidas de prevenção e terapia para um vasto
leque de patologias (Casaca, 1958: 335; Soeiro, 1958; 377).
Deste modo, ficaram incumbidos de estudos bacteriológi-
cos, virológicos, parasitológicos, e da clínica tropical, e pela
organização de cursos de formação de técnicos auxiliares lo-
cais (Soeiro, 1958: 379).
Enquanto a JICU (Castelo, 2012) era responsável pela tutela
dos IIM nas colónias, os diretores eram nomeados por pro-
posta do IMT que também estava encarregado da supervisão
da investigação empreendida, atuando como ‘intermediário’
entre os IIM e a Junta (Correia, 1955: 906). Os quadros dos
IIM recebiam formação em Portugal mas também em países
em África, Ásia e América Latina, com o apoio da OMS e
da Fundação Rockefeller (Casaca, 1958: 343; Soeiro, 1958:
394).Tal como no caso das Missões de Prospeção e Comba-
te, estas medidas correspondiam à necessidade de criar uma
capacidade local especializada de investigação e interven-
ção complementar aos serviços de saúde coloniais (Ribei-
ro, 2012: 149-51). O fato de estes institutos se dedicarem a
patologias endémicas como a febre-amarela, schistosomose,
ancilostomíase, oncocercose, treponematoses, bilharziose
e DSTs, aproximava-os das novas perspetivas sobre a saúde
pública internacional, seguindo as orientações da OMS para
regiões tropicais.
A criação da Comissão de Higiene e Saúde pelo Ministério
do Ultramar em 1957 que integrava a direção e professo-
res do IMT, conferiu ao Instituto o papel de coordenação
e fiscalização dos serviços de saúde ultramarinos, de inter-
mediário privilegiado entre peritos da metrópole, territó-
rios ultramarinos e estrangeiros, além de orientar medidas
para melhorar as condições de saúde das populações.
10
Com
a criação de Faculdades de Medicina em Luanda e Maputo
nos anos sessenta
11
, reforçaram-se as relações institucionais e
profissionais entre estas e os IIM, e também com Faculdades
de Medicina em Portugal e o próprio Instituto em Lisboa.
2.3. Projeção da medicina tropical portuguesa para
a cena internacional e impacto do conflito armado
A introdução de novas infraestruturas regionais pela OMS
nos anos cinquenta também contribuiu para intensificar as
colaborações ao nível internacional na área de saúde pública
em África, além de aumentar a capacidade de investigação
e intervenção no terreno. O envolvimento de quadros do
Instituto como peritos da OMS consolidou a integração do
IMT nas instituições e redes de saúde internacional. A pro-
jeção da medicina tropical portuguesa para a cena interna-
cional, também passou por várias áreas de investigação, além
da malária (Francisco Cambournac), parasitologia (J. Fraga
de Azevedo), febre-amarela (Manuel Pinto), nutrição (Jorge
Janz), doença do sono (Fernando Simões da Cruz Ferreira),
lepra (Augusto Salazar Leite) e boubas (Carlos Trincão), to-
dos membros dos comités de peritos da OMS na sua área de
especialização (Salazar Leite, 1958: 498).
A eleição de Francisco Cambournac em 1953 para o cargo
de diretor do recém- criado Bureau Regional para Afrique
(BRA) da OMS em Brazzaville, onde serviu dois mandatos,
incentivou uma maior coordenação regional e consolidação
dos programas de erradicação, controlo e prevenção de en-
demias em África, além de criar sinergias entre as diferentes
agências internacionais. O BRA se torna desde a sua cria-
ção o eixo principal da luta contra as patologias endémicas
em África criando programas específicas de intervenção no
terreno e formação de quadros para combater a malária,
febre-amarela, tripanossomíase, bilharziose, ancilostomíase,
oncocercose, peste bubónica, lepra, varíola, tuberculose e
cólera, além de focar a saúde materno- infantil, a saúde men-
tal, a malnutrição e o saneamento básico
12
. Além disso, deu
prioridade a coleção, compilação e divulgação de estatísticas
demográficas e sanitárias sobre os territórios africanos que
permitirem um melhor planeamento das intervenções na
área da saúde pública.
Contudo, o impacto do conflito armado na África Portu-
guesa iria deixar marcas profundas ao nível da cooperação
internacional e inter-Africana no domínio da saúde pública e
o combate as endemias, e testar a capacidade de intervenção
do Instituto e dos próprios serviços de saúde no terreno. As
3- Acerca dos diferentes modelos de intervenção na saúde pública, ver C.L. Gonza-
lez (1965)
Mass campaigns and general health services
, Genebra: Organização Mundial
de Saúde.
4- A Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar (JMGIU) foi
criada através do Decreto-Lei n.º 26.180, de 7 de Julho de 1936. Mais tarde foi
transformada na Junta de Investigações do Ultramar pelo DL. Nº. 35.395, de 26 de
Dezembro 1945, e na JICU pelo DL. 583/73, de 6 de Novembro de 1973. Sobre o
orçamento do Instituto, ver Azevedo (1958): 77 e Azevedo (1960): 513.
5- A observação de que devia "ser no Ultramar como é óbvio que principalmente
o Instituto deve exercer a sua ação investigadora" feita por Fraga de Azevedo em
1946, define claramente o âmbito da intervenção do IMT nesta fase; ver Azevedo
(1946): 815.
6- Atualmente, o Centro de Estudos de Vetores e Doenças Infeciosas Francisco
Cambournac (CEVDI/INSA).
7- Sobre as brigadas móveis emAngola, ver Pires (2012): 14-21.
8- Ver J. Fraga de Azevedo, Proposta sobre a criação de Centros de Investigação
nas colónias portuguesas de África, in:Azevedo (1948): 504-9. O então diretor do
IMT sugeria a criação de uma rede semelhante aos Institutos Pasteur, sob a tutela
do IMT, vocacionada para investigação, formação e intervenção, com atribuições
mais abrangentes que as Missões existentes.Ver também art.º 1º.4, DL. Nº. 40.055
de 14 de Fevereiro 1955.
9- Ver Decreto-Lei nº. 40.078, 7-3-1955; as atividades dos institutos foram regula-
das pelo Decreto-Lei nº. 41.536, de 24 de Fevereiro 1958.
10-Ver Decreto-Lei nº. 41.169 de 29 de Junho 1957; Diário do Governo, Iª Série,
nº. 148, 29 de Junho 1957, 671-86. Esta lei, que alterou a orgânica do Ministério
do Ultramar, determinou no art.º 47 que a referida comissão era também composta
por um Inspetor Superior de Saúde e a direção do Hospital do Ultramar. O IMT
também acolheu a Direção Geral de Saúde e Assistência no Ultramar (criado em
1960) e a Inspeção Superior de Saúde no Ultramar (ENSPMT, 1971: 19).
11- Inicialmente, estas faculdades, fundadas em 1962, faziam parte dos chamados
Estudos Gerais Universitários, e só ganharam o estatuto de faculdades universitárias
em 1968.
12- Ver OMS, VII Assemblée Mondiale de la Santé, Commission du Programme
e du Budget, Procès-Verbal Provisoire de la Troisième Séance, A7/P&B/Min/3
Corr.2, Genebra, 20-5-1954: 2-5; e também OMS, Conseil Exécutif, Procès-Ver-
bal de la XXIXe Session, EB29/Min/11 Ref. 1, Genebra, 1962: 312-22.