90
guerras coloniais (1961-1975) levaram a uma sobreposição
de serviços de saúde, nomeadamente civis, militares e dos
movimentos de libertação.A anexação de Goa pela India em
1961, e o começo da guerra em Angola no mesmo ano, na
Guiné em 1963 e em Moçambique no ano seguinte, con-
tribuíram para condicionar o papel do IMT e das missões
por este lideradas, em termos geográficos, operacionais e
financeiros (Abranches, 2003: 83-90). Por conseguinte, a
participação dos quadros do Instituto nas diferentes missões
permanentes e temporárias tornou-se mais irregular e espo-
rádica e afetou o número de publicações científicas dos seus
investigadores e também dos quadros médicos dos serviços
de saúde com base em pesquisas in loco
13
.
Apesar da reeleição de Francisco Cambournac como di-
retor do BRA em 1958
14
, as mudanças políticas em África
provocadas pela descolonização e a independência de paí-
ses africanos, tiveram repercussões para Portugal e para a
sua representação em organizações internacionais como as
Nações Unidas até o fim do Estado Novo (Silva, 1995). A
oposição de alguns países recém-independentes contra o pa-
pel de Portugal nas guerras em África, acabou por levar à
sua suspensão – junto com a África do Sul – da participação
nas reuniões do Bureau Regional da OMS para África em
1964
15
. A suspensão de Portugal das reuniões da OMS e das
suas comissões regionais em 1966 travou a realização de pro-
jetos de intervenção na área da saúde sob a égide da OMS na
metrópole e nos seus territórios ultramarinos
16
. No fim dos
anos sessenta, a OMS não patrocinou ou supervisionou ne-
nhum projeto de saúde pública emAngola e Moçambique
17
.
Por conseguinte, a intervenção do IMT no palco internacio-
nal ficou condicionado, mesmo que o Bureau Regional de
África e o Bureau Regional do Pacifico Ocidental - que se
mostrou mais recetivo - continuassem a solicitar dados sobre
questões de saúde pública no espaço ultramarino. Esta circu-
lação de informação não foi interrompida, devido às redes
profissionais e pessoais construídas pelos quadros do Insti-
tuto ao longo dos anos, por ex. através das suas respetivas
comissões de peritos da OMS (Amaral, et al, 2013: 21).
18
Durante este período (1966-1974), a Fundação Calouste
Gulbenkian, que iniciou a sua intervenção na área de saúde
em 1957, apoiou projetos neste sector em colaboração com
os respetivos serviços de saúde, o IIM, quadros das Missões
de Combate às Endemias nas‘províncias ultramarinas’ de en-
tão, por ex. no combate a oncocercose ou cegueira dos rios
em Moçambique (Ferreira, 1990: 454-7; Amaral & Havik,
2014: 9). As Forças Armadas Portuguesas também intervi-
riam na área da saúde bem como os movimentos indepen-
dentistas nas áreas libertadas, que também providenciaram
apoios aos refugiados nos países vizinhos (Martins, 2001)
19
.
Mesmo que no quadro do III Plano de Fomento (1968-1973)
que pela primeira vez contemplou a saúde pública, sublinhar
a "relevância essencial" desta e anuncia a vontade de sistema-
tizar e coordenar o sector (Lopes, 1987: 110; Caeiro, 2005:
211), os montantes envolvidos eram muito reduzidos em
comparação com a área prioritária da indústria extrativa e
transformadora nas colónias
20
.
2.4. Avanços e recuos: reformas institucionais
As reformas introduzidas em 1966 por ocasião da criação
da Escola Nacional de Saúde Pública e Medicina Tropical
(ENSPMT), que sucede ao IMT, tinham o objetivo de ma-
ximizar a capacidade conjunta de investigação e ensino num
período de diminuição de recursos humanos e financeiros
(Abranches, 2004: 92)
21
. Se bem que a acumulação de res-
ponsabilidades nas áreas de saúde pública e medicina tropical
parecessem ser complementares e tenham seguido reformas
semelhantes às de outros países, a tão desejada integração
do IMT no ensino superior ficou adiada (Azevedo, 1976:
30-2). O regulamento interno da nova Escola
22
divide-a em
dois ramos, de saúde pública e de medicina tropical, dando
prioridade ao ensino - os cursos e cadeiras - como entidades
estruturantes da ENSPMT, e à formação de quadros de saú-
de, enquanto omitia atividades relevantes do IMT, como as
missões permanentes de combate às endemias (Abranches,
2004: 98)
23
.
O novo contexto institucional contribuiu entretanto para
reconfigurar o seu papel, incentivando novas áreas de conhe-
cimento como a saúde pública e a medicina do trabalho, que
se traduziram em investigação e em novos cursos de pós-gra-
duação, além de cursos intensivos, de atualização e de aper-
feiçoamento (ENSPMT, 1971: 22/3; Ferrinho et al 2012;
Grácio e Grácio 2012;Viveiros 2012). Os laços do Instituto
com as faculdades de medicina foram reforçadas (Câmara
Corporativa, 1962: 1554) de acordo com as recomendações
da OMS, uma política que acabou por se consolidar através
da sua integração na UNL em 1980
24
.
No âmbito da cooperação existente com as colónias foram
também encetadas colaborações de docência com as novas
faculdades médicas de Luanda e de Lourenço Marques: dois
professores do Instituto ensinaram também na Faculdade de
Medicina de Luanda: Fernando da Cruz Ferreira, que entre
1970 e 1973 foi professor de Clínica das Doenças Tropicais
e diretor do Hospital Universitário de Luanda e Carlos Ma-
nuel dos Santos Reis, que em 1972-1973 foi Professor de Hi-
giene e Medicina Social. Em termos de investigação, denota-
-se uma ênfase crescente sobre a saúde pública na metrópole
e na Europa, bem como Brasil (Abranches, 2004: 101), ao
mesmo tempo que se diversifica e aprofunda o leque de pa-
tologias estudadas para incluir a tuberculose, leishmaniose, a
doença de Chagas, a filaríase e as arboviroses (por ex. den-
gue)
25
.
As reformas introduzidas em 1972 desfizeram a ENSPMT,
criando o Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT)
que ficou sob a tutela do Ministério do Ultramar e uma Es-
cola Nacional de Saúde Pública autónoma
26
. Estas mudanças
seguiram-se a uma reforma dos serviços de saúde em Por-
tugal decretado no ano anterior após um longo debate entre
Artigo Original