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dimensões, diferentes mas complementares, que, no seu con-
junto, concorrem para transformar a procura de cuidados de
saúde potencial (as necessidades de cuidados das populações)
em satisfação efetiva dessa procura (a utilização de cuidados
pelas populações) (Carneiro, 2013).
Em 2007, quando a ERS realizou os primeiros estudos e pa-
receres sobre o acesso a cuidados de saúde, procedeu-se a um
detalhado levantamento das diversas definições e metodolo-
gias de análise, acabando por se adotar a abordagem multi-
-dimensional ao acesso proposta por Penchansky e Thomas
(1981), nos EUA. Este modelo de acesso assenta no conceito
do ajustamento entre as necessidades dos utentes e a capa-
cidade do sistema de saúde em satisfazer essas necessidades.
Assim, o grau de acesso aos cuidados de saúde é medido pela
avaliação das barreiras à transformação de acesso potencial
em acesso realizado.
No modelo, estas barreiras podem ser agrupadas nas cinco
dimensões que se descrevem na tabela 2.
Esta abordagem foi posteriormente aperfeiçoada por outros
investigadores, e usada inclusivamente em análises da Orga-
nização Mundial da Saúde, tratando-se de um modelo bas-
tante completo, que permite acomodar a generalidade das
questões relacionadas com o acesso. A sua aplicação integral
ao estudo de setores em concreto enfrenta, por vezes, difi-
culdades práticas relacionadas, sobretudo com a recolha de
informação para estudar todas as dimensões consideradas. No
entanto, mesmo quando aplicado parcialmente, este modelo
fornece uma conceptualização que abrange diversos aspetos
importantes do processo de acesso e utilização dos cuidados
de saúde.
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Qualidade
É também objetivo da atividade reguladora da ERS zelar pela
prestação de cuidados de saúde de qualidade (cfr. al. d) do
art. 10.º dos seus Estatutos).As concretas atribuições da ERS
previstas para a concretização deste objetivo são a promoção
de um sistema de classificação dos estabelecimentos de saúde
quanto à sua qualidade global, verificar o não cumprimento
das obrigações legais e regulamentares relativas à acreditação
e certificação dos estabelecimentos, e garantir o direito dos
utentes à prestação de cuidados de saúde de qualidade.
A definição de qualidade em saúde é, tal como no caso do
acesso, um pressuposto basilar para qualquer avaliação que se
faça de um sistema de saúde ao nível deste atributo.Ao longo
dos anos têm surgido diversas conceptualizações de qualida-
de em saúde, que diferem sobretudo ao nível da maior ou
menor abrangência do modelo de avaliação dos serviços de
saúde, alguns focando-se estritamente nos cuidados médicos,
e outros adoptando uma visão mais holística de cuidados de
saúde onde se inclui, por exemplo, os cuidados de enferma-
gem, o atendimento administrativo e hoteleiro. (Mears et
al., 2011). As definições unívocas e fechadas são geralmente
consideradas redutoras, não capturando todo o espetro de
realidades e dimensões de alguma forma associadas à quali-
dade em saúde. Existe, sim, um consenso alargado sobre a
necessidade de se adotar uma abordagem multi-dimensional
(Carneiro, 2013).
Na sua análise regulatória da qualidade, a ERS procura refle-
tir exactamente essa multi-dimensionalidade ao considerar a
existência de diversas dimensões de qualidade. É o que acon-
tece, por exemplo, no modelo de avaliação global do projeto
Sistema Nacional de Avaliação em Saúde, em que cada di-
mensão da qualidade é designada por dimensão de avaliação,
visando captar diferentes aspetos da prestação de cuidados
de saúde, claramente distinguíveis e autonomizáveis entre si.
Além de permitir captar a multi-dimensionalidade do con-
ceito de qualidade em saúde, a construção de uma avaliação
em diversas dimensões tem a vantagem de permitir a iden-
tificação de pontos fortes e pontos fracos das instituições, e
áreas de atuação prioritária.
No âmbito dos estudos e pareceres realizados, para análise da
qualidade a ERS tem também recorrido à clássica tipologia
de Donabedian (1966) que considera estrutura, processo e
resultado.A análise da estrutura retrata as condições físicas da
infra-estrutura, os recursos humanos e os procedimentos or-
ganizativos do prestador de cuidados de saúde; com a análise
da qualidade dos processos
avalia-se se os cuidados
são prestados de acordo
com as melhores práticas;
e a análise dos resultados
foca-se no impacto dos
cuidados prestados na
saúde dos utentes.
2
Também à semelhança
do que acontece no caso
do acesso, estes modelos
conceptuais sobre a qua-
lidade em saúde têm sido
utilizados pela ERS em
diversas atividades mas
com graus de profundida-
Dimensão
Descrição
Dimensões espaciais
Accessibility
A localização geográfica dos serviços de saúde ajusta-se à distribuição geográfica dos
utentes
Availability
Os serviços existentes são em quantidade suficiente para atender às necessidades dos
utentes
Dimensões não espaciais
Accommodation
As instalações dos serviços de saúde atendem às restrições e preferências dos utentes
Acceptability
A organização dos cuidados de saúde vai ao encontro das necessidades e expetativas dos
utentes
Affordability
O preço dos serviços ajusta-se à capacidade financeira dos utentes
Tabela 2
– Dimensões do acesso de Penchansky eThomas (1981)
Fonte:Adaptado de Penchansky eThomas (1981) por Carneiro (2013)
Artigo Original