82
1. Regulação e conhecimento
A regulação, enquanto forma de intervenção pública nas ati-
vidades económicas através da imposição de regras que visam
modificar o comportamento económico de indivíduos e em-
presas, surgiu no setor da saúde associada ao reconhecimen-
to de que este setor tem especificidades que o distinguem
de outros mercados de bens e serviços. Tais especificidades
verificam-se não só ao nível do comportamento dos agentes
e das relações económicas que entre eles se estabelecem, mas
decorrem também da importância social conferida à saúde.
Um conjunto de falhas nos mercados da saúde, tais como a
assimetria de informação entre prestadores e utentes, o con-
texto de incerteza em que ocorre a prestação de cuidados de
saúde, ou as decisões de consumo baseadas numa relação de
agência entre profissional de saúde e utente, implicam que o
livre funcionamento dos mecanismos de mercado não garan-
ta resultados satisfatórios. A regulação da saúde visa, assim,
compensar essas falhas através do condicionamento da con-
duta dos agentes económicos e de mecanismos de defesa dos
direitos dos consumidores.
Para ser possível concretizar uma intervenção pública regu-
latória que cumpra este objetivo, o elemento-chave é o co-
nhecimento. Com efeito, uma intervenção nos mercados que
produza efeitos positivos, tem necessariamente que partir
de um profundo conhecimento sobre a organização e o fun-
cionamento do sistema de saúde (o que passa por analisar as
estruturas, os processos e os resultados desse sistema), mas
também os incentivos de empresas e profissionais, as prefe-
rências e a satisfação dos utentes, e não menos importante,
as escolhas estratégicas dos decisores políticos. Tal conheci-
mento não está,
a priori
, reunido e sintetizado de forma a
ser utilizado na formulação de atos de regulação. E por esse
motivo, uma atividade fundamental de qualquer instituição
com competências de regulação consiste em conduzir e/ou
promover a investigação necessária à produção do conheci-
mento sobre todas aquelas questões.Acresce que a amplitude
concreta desta investigação
varia grandemente de uns
setores de atividade para
outros, devido a diferen-
tes graus de maturidade
na produção de estatísticas
oficiais e de investigação
nos meios académicos. No
caso particular do setor da
saúde em Portugal, a enti-
dade reguladora tem a ne-
cessidade de, relativamente
a muitos dos temas investi-
gados, efetuar a recolha de
informação e a produção de
estatísticas
ad novo
, o que
contrasta, por exemplo,
com o setor dos serviços financeiros, sobre o qual há hoje um
histórico grande de publicação de estatísticas e de produção
de investigação.
Estando, então, afirmada a imprescindibilidade da investi-
gação para a geração de conhecimento, importa explicar de
que forma tal conhecimento pode ser usado para sustentar a
intervenção regulatória. De um modo geral, o conhecimento
que resulta da investigação sobre a organização, o funciona-
mento e os agentes dos mercados, por parte de uma entidade
reguladora, é fundamental para direcionar correctamente as
atividades de supervisão comportamental dos regulados, mas
também para o desenho de intervenções regulatórias que vi-
sam moldar o comportamento dos agentes, como é o caso
da emissão de regulamentação, instruções e recomendações.
Por outro lado, as entidades reguladoras têm especiais obri-
gações de promover a disseminação de informação sobre o
setor regulado junto dos agentes interessados e da sociedade
em geral, dessa forma procurando promover a diminuição de
assimetrias de informação. E finalmente, as entidades regu-
ladoras têm um papel importante na produção de conheci-
mento que sirva de base à decisão política, propiciando uma
ponderação de um conjunto alargado de aspetos que (quase
sempre) apenas o regulador tem capacidade de apreender.
2. A Entidade Reguladora da Saúde
A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) é o organismo pú-
blico com natureza de entidade administrativa independen-
te a quem compete a regulação da prestação de cuidados de
saúde em Portugal. Em conformidade com os seus estatutos,
aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto,
a ERS tem por missão a regulação da atividade dos estabele-
cimentos prestadores de cuidados de saúde, e as suas atribui-
ções compreendem a supervisão desses estabelecimentos no
que respeita ao cumprimento dos requisitos de exercício da
atividade e de funcionamento, incluindo o licenciamento dos
Controlo dos requisitos de funcionamento
Proceder ao registo público obrigatório dos prestadores
Instruir e decidir os pedidos de licenciamento, realizando as vistorias necessárias
Defesa dos direitos dos utentes
Tratar as reclamações dos utentes dos prestadores dos setores público, privado e social
Prestar informação, orientação e apoio aos utentes dos serviços de saúde
Supervisão da conduta dos prestadores
Investigar os indícios de má conduta dos prestadores no âmbito de processos de inquérito e de processos de contra ordenação
Aplicar sanções por má conduta dos prestadores (admoestações, coimas e suspensão de estabelecimentos)
Emitir instruções e recomendações aos prestadores
Realizar ações de fiscalização e auditorias
Avaliação da qualidade dos cuidados de saúde
Avaliar a qualidade dos cuidados de saúde (no âmbito do Sistema Nacional de Avaliação em Saúde)
Regulação económica do setor da saúde
Realizar estudos e pareceres sobre acesso, concorrência, qualidade, organização e eficiência do sistema de saúde
Resolução de conflitos
Mediar os conflitos entre financiadores e prestadores
Mediar os conflitos entre prestadores e utentes
Tabela 1
– Principais atividades de regulação da ERS, por áreas de atuação
Artigo Original