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BIOECOLOGIA E IMPORTÂNCIA MÉDICA DAS GLOSSINAS (Diptera, Glossinidae) E DOS
FLEBÓTOMOS (Diptera, Psychodidae) COMO VETORES DE TRIPANOSSOMATÍDEOS
MARIA ODETE AFONSO (AFONSO, M.O.)
Grupo de Entomologia Médica, Unidade de Ensino e Investigação de Parasitologia Médica, Instituto de Higiene e
Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa. Rua da Junqueira, 100, 1349-008 Lisboa, Portugal. Tel. : 213652600.
:
OdeteAfonso@ihmt.unl.pt.
Unidade de Parasitologia e Microbiologia Médicas (UPMM) / Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
As glossinas (Diptera, Glossinidae), moscas do
sono, ou moscas tsé-tsé, assim como os flebótomos
(Diptera, Psychodidae), são insetos que,
fundamentalmente, têm em comum três
características: são ambos vetores de agentes
patogénicos, nomeadamente tripanossomatídeos,
que afetamos seres humanos e os animais; os ciclos
de vida, destes dois grupos de dípteros apresentam
duas fases semelhantes: os adultos têm vida aérea
e os imaturos vida terrestre, contrariamente à
grande maioria dos dípteros com importância
médica, nomeadamente os mosquitos, os
simulídeos e outros, em que os estádios imaturos
são aquáticos; as glossinas e os flebótomos são
telmofágicos, isto é, quando picam os hospedeiros
vertebrados, as suas peças bucais fazem pequenos
movimentos de vaivém que dão origem a
microhematomas nos quais, além de inocularem a
saliva, sugam, a partir daqueles, o sangue dos
hospedeiros. Esta característica tem importância
porque, quando estes vetores estão infetantes, os
agentes patogénicos inoculados permanecem,
durante algum tempo, no local da picada e não
entram rapidamente na circulação sanguínea, como
no caso dos esporozoítos dos mosquitos vetores da
malária que, por introduzirem as peças bucais
diretamente nos capilares sanguíneos, são
denominados “solenofágicos”.
Quanto à sistemática, morfologia, distribuição,
bioecologia,
comportamento
alimentar,
especificidades
dos
ciclos
de
vida,
desenvolvimento intra-vetorial dos parasitas e
epidemiologia das doenças a que os referidos
vetores dão origem (tripanossomoses africanas e
leishmanioses, respetivamente),
estes
são
completamente diferentes.
Pretendemos: realçar a contribuição dos
investigadores portugueses que, ao longo de
décadas, se dedicaram não só ao estudo da
sistemática, mas também da distribuição das
chamadas “manchas glossínicas” nas antigas
colónias, nomeadamente em Angola, Guiné,
Moçambique e, por três vezes, na resolução da
introdução glossínica na Ilha do Príncipe, assim
como destacar os aspetos históricos do estudo dos
flebótomos em Portugal; apresentar aspetos
bioecológicos dos referidos vetores; divulgar
trabalhos científicos que se têm realizado, por
equipas do IHMT, quer no que diz respeito às
glossinas, quer aos flebótomos.
No âmbito do estudo e controlo das moscas tsé-
tsé e das tripanossomoses africanas, não podemos
deixar de referir os nomes de vários investigadores
e professores portugueses que, desde 1901 até aos
anos 70 do século passado, foram eminentes
cientistas, reconhecidos internacionalmente pelos
seus pares, nomeadamente: Aníbal Bettencourt,
Ayres Kopke, Rola Pereira, Gomes de Rezende,
Corrêa Mendes, Damas Mora, Silva Monteiro,
Bruto da Costa, Firmino S'Antana, Correia dos
Santos, Araújo Álvares, Silva Correia, Travassos
Santos Dias, Paisana, Cruz Ferreira, Abreu, Da
Costa, Tendeiro, Sousa Dias, Alexandre Sarmento,
Cambournac, Gândara, Fontes e Sousa, Barros
Machado, Rui Pinhão, Mourão, Castro Salazar e
Fraga de Azevedo (Afonso, 2000; Afonso e Grácio,
2008).
Como exemplo, apresentamos uma parte da obra
do Professor Doutor Fraga de Azevedo, Diretor do
Instituto de Medicina Tropical de Lisboa, Portugal,
que, em 1956 (Azevedo
et al
., 1961), 42 anos após
a última erradicação das moscas tsé-tsé na Ilha do
Príncipe, criou a missão de estudo e combate à Ilha
do Príncipe, aquando da nova reintrodução das
moscas
do
sono.
Efetuou-se
pesquisa
tripanossómica em 4014 pessoas, assim como em
animais domésticos, construíram-se e distribuíram-
se 6000 armadilhas para glossinas, capturaram-se
166649 moscas e identificaram-se e dissecaram-se
6500 (Azevedo
et al
., 1962). Devido a um conjunto
de medidas, utilizadas de forma integrada, o
Professor Fraga de Azevedo e colaboradores
erradicaram as glossinas, em julho de 1958, ao fim
de 740 dias de intervenção. Porém, Azevedo e
colaboradores (Azevedo
et al
., 1961) referem que
“
nas campanhas a estabelecer contraasglossinas,