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ROTAVÍRUS, UMA AMEAÇA À VIDA DAS CRIANÇAS NOS PAÍSES EM VIAS DE

DESENVOLVIMENTO

CLAUDIA ISTRATE (C. ISTRATE) *

JOÃO MÁRIO BRÁS PIEDADE (J. PIEDADE) *

/

**

RICARDO MANUEL SOARES PARREIRA (R. PARREIRA) *

/

**

AIDA MARIA DA CONCEIÇÃO ESTEVES SIMÕES (A. ESTEVES) *

/

**

* Grupo de Virologia, Unidade de Ensino e Investigação de Microbiologia Médica, Instituto de Higiene e Medicina

Tropical (IHMT), Universidade Nova de Lisboa. Rua da Junqueira, 100, 1349-008 Lisboa, Portugal.

Telefone:

213652600.

E-mail

:

claudia.istrate@ihmt.unl.pt

(C. Istrate).

** Unidade de Parasitologia e Microbiologia Médicas (UPMM) / IHMT

.

A nível mundial, a infeção por rotavírus (RV) é

a principal causa de gastroenterite aguda grave em

crianças com idade inferior a 5 anos, sendo

responsável por aproximadamente dois milhões de

hospitalizações e meio milhão de mortes anuais

nesta faixa etária, metade das quais ocorre na

África subsaariana (Tate

et al

., 2011).

Os RV são membros da família

Reoviridae

e o

seu genoma consiste em 11 segmentos de ARN de

cadeia dupla. A partícula viral, de simetria

icosaédrica, estrutura-se em três camadas proteicas

concêntricas. A mais interna (

core

) encerra o

genoma viral, a média compreende a proteína viral

(VP, do inglês

viral protein

) 6, cujas características

antigénicas definem sete grupos (A-G), e a mais

externa consiste em duas proteínas indutoras de

anticorpos neutralizantes, VP4 e VP7, que

definem, respetivamente, os serotipos P e G. VP4 e

VP7 são codificadas por segmentos genómicos

distintos,

com

segregação

independente,

conduzindo à dupla notação G/P na classificação

das estirpes virais. Atualmente, no entanto, está

cada vez mais generalizada a tipagem genética em

detrimento da serotipagem. Para RV humanos do

grupo A (onde se inclui a grande maioria dos RV

humanos), estão descritos 12 genótipos G e 15

genótipos P que, por coinfecção e redistribuição de

segmentos, podem originar, teoricamente, quase

duas centenas de combinações (Matthijnssens

et

al.,

2011). Para além da redistribuição de

segmentos, a acumulação de mutações pontuais e a

transmissão zoonótica de estirpes de origem animal

constituem mecanismos associados à enorme

diversidade genética dos RV. Os estudos de

vigilância epidemiológica efetuados até hoje

descrevem cinco estirpes virais (G1P[8], G2P[4],

G3P[8], G4P[8] e G9P[8]) como responsáveis por

75% das infeções humanas a nívelmundial (Bányai

et al

., 2012). No entanto, a epidemiologia da

infeção por RV caracteriza-se por flutuações

temporais e geográficas da diversidade das estirpes

circulantes. Em África, esta é particularmente

acentuada, tendo sido recentemente identificadas

24 combinações G/P (em que as cinco estirpes

virais atrás citadas constituem apenas 36,5% das

analisadas), 16% de estirpes não tipáveis, 12% de

infeções mistas e 14% de estirpes de origem animal

(Todd

et al

., 2010).

Dada a ubiquidade dos RV e a sua resistência às

condições ambientais, a vacinação é considerada

como a medida mais promissora para reduzir a

morbilidade e a mortalidade associadas.

Atualmente, existem duas vacinas orais atenuadas

licenciadas e a sua inclusão nos programas de

vacinação nacionais é recomendada a nível

mundial pela OMS. Rotarix

®

(

GlaxoSmithKline

Biologicals

) é uma vacina monovalente derivada

de uma estirpe G1P[8] humana. RotaTeq

®

(

Merck

)

é uma vacina pentavalente que contém cinco

genótipos humanos (G1, G2, G3, G4 e P[8])

redistribuídos num vírus de origem bovina. A

eficácia destas vacinas revelou-se elevada nos

países industrializados e mais reduzida nos ensaios

realizados em países africanos (Madhi

et al.,

2010;

Sow

et al.

, 2012). Este resultado poderá dever-se,

entre outras coisas, à multiplicidade e à constelação

de genótipos circulantes, frequentemente distintos

dos incluídos nas vacinas, e evidencia a

necessidade de conhecer a epidemiologia

molecular dos RV circulantes antes e durante a

implementação da vacina de modo a avaliar fatores

determinantes da sua eficácia. Por outro lado, a

vigilância pós-vacinação permitirá documentar

potenciais eventos associados à vacina, tais como

alteração da prevalência de estirpes, surgimento de

mutantes de escape imunitário ou geração de

recombinantes entre estirpes selvagens e vacinais.

De entre os países africanos de língua oficial

portuguesa (PALOP), Angola e São Tomé e

Príncipe (STP) são dois territórios para os quais se

desconhece o peso relativo dos RV como agentes