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Foi nesta brigada que pela primeira vez senti o
que era fome. Naquela região do noroeste de
Angola não existiam quaisquer tipos de
restaurantes ou similares e, muito menos hotéis ou
pensões para pernoitar, nem condições para instalar
um acampamento com as tendas que nós
transportávamos, nem qualquer tipo de água,
exceto a dos rios da região. Como tínhamos gasto
muitas energias para chegar àquela área e, porque
as “estradas de terra batida” estavam em péssimo
estado de conservação na época das chuvas, tudo
isto contribuiu para que ficássemos bastante
debilitados.
Em 1959, após o falecimento do Dr. Gândara,
trabalhei com o Dr. Marini de Araújo Abreu, mais
tarde Professor Catedrático do Instituto de Ciências
Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do
Porto. Pessoa muito cordial, sempre com boa
disposição, de trato fácil e muito dedicado ao
Professor Fraga de Azevedo, que eu conheci
aquando de uma visita que ele efetuou a Angola
aproveitando a sua passagem por Luanda para
irmos (Dr. Morais de Carvalho e eu) colher
caracóis dos géneros
Biomphalaria
e
Bulinus,
(Família Planorbidae), naquela região.
Com o Dr. Ma rini tive oportunidade de
trabalhar pela primeira vez no Úcua (região dos
Dembos) e, posteriormente, na região do Cuemba
(província do Bié) para o estudo da oncocercose
nestas duas áreas tão distintas e onde também
conheci outro entomologista, o Dr. C. B. Worth, da
Fundação Rockefeller que, com o Dr. H. E.
Paterson, estudavam os vetores de arbovírus de
vários países do sudoeste africano.
No Úcua, como aquele médico não podia
permanecer muito tempo pelos compromissos
inerentes ao cargo que desempenhava no Instituto
de Medicina Tropical, onde era Assistente do
Professor Fraga de Azevedo (cadeira de Zoologia
Médica), tinha eu de organizar o trabalho
entomológico e logístico, sendo secundado por
dois colegas (Durval Pereira e João Cardoso).
Lembro-me perfeitamente de, estando a almoçar no
meio duma mata típica da região dos Dembos, ter
dito aos meus colegas, no dia 30 de junho de 1960,
dia da Independência do República Democrática do
Congo (antigo Congo Belga), quando Patrice
Lumumba fazia o discurso
sobre o colonialismo
belga
, perante o rei Balduíno da Bélgica, que
também o mesmo iria acontecer em Angola, tendo-
se os meus colegas mostrado incrédulos com a
minha afirmação (Figs. 3 e 4).
Fig. 3 – Durval, Pires e Cardoso, Úcua, Angola, 1960.