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Fig. 1 - Magalhães, Pires e Oliveira na sede da MPEA (Huambo, Angola), 1954.

Foi também nesse mesmo ano que tive a honra

e o prazer de conhecer o Professor Cambournac

que, como chefe da MPEA, se tinha deslocado ao

acampamento em Capelongo (província da Huila),

no sul de Angola, onde estávamos a fazer o

levantamento das endemias prevalentes, com vista

à instalação de um colonato com o fim de, através

das colheitas de sangues em animais selvagens

naquela província, saber da existência ou não de

possíveis reservatórios do vírus da febre amarela.

Não quero e não posso deixar de realçar que o

nosso primeiro encontro poderia ter alterado

totalmente a minha vida profissional! O Professor

Cambournac colheu sangue, principalmente de

antílopes, comvénulas que foram conservadas num

contentor térmico, vulgarmente denominadas de

garrafas termos, para conservar e transportar

eficazmente até à sede da MPEA, no Huambo

(Nova Lisboa), o material biológico obtido.

Acontece que o preparador, a quem foi entregue o

material, guardou-o devidamente e, no dia

seguinte, pediu-me para lhe entregar o material que

estava no termos. Como havia uma outra garrafa

igual, mas vazia, eu entreguei esta para o

preparador levar para o Huambo, já que

acompanhava o Professor Cambournac numa outra

viatura. Após a chegada ao destino, foramverificar

o material (“vénulas” com sangue) e ficaram, no

mínimo espantados, por encontrarem a termos

vazia.

Assim, como numa peça de teatro, o Professor

Cambournac vira-se para o preparador e pergunta-

lhe onde estava o material e este responde que

quem lhe tinha dado a garrafa de termos tinha sido

eu e que, subentende-se, seria o responsável pela

falta do material biológico. O Professor

Cambournac, de imediato, determinou que eu seria

despedido (talvez por ser um simples jovem

assalariado). Contudo, o Dr. Gândara, com o seu

sentido de justiça e porque provavelmente

apreciava as minhas até então demonstradas

qualidades de trabalho e de caráter, afirmou que

seria eu despedido e o preparador transferido mas

que eu não tinha a mínima responsabilidade e que

deveria continuar no lugar que desempenhava.

Perante estes argumentos, o Professor Cambournac

concordou e eu mantive-me na MPEA e o

preparador teve de ir e voltar a Capelongo para

recuperar o material.

Se não fosse a atitude do Dr. Gândara, eu não

teria, com certeza, seguido a via profissional na

área da Parasitologia que me foi proporcionada

pela sua intervenção e que, pela sua coerência e

honestidade intelectual, foi uma das minhas

referências. Contudo, muitos anos mais tarde, em

1992, quando prestei provas públicas para

assistente de investigação do Centro de Doenças

Infecciosas e Parasitárias do Instituto Nacional de

Investigação Científica (INIC), sediado no IHMT,

o Professor Doutor Cambournac honrou-me com a

sua presença assistindo às provas, fato raro porque

este insigne malariologista e Homem da Saúde

Pública nunca ou raramente antes o teria feito

(Fig.2).