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DISCUSSÃO
Este estudo teve, como finalidade, descrever o
estado de saúde de uma população imigrante
residente na zona metropolitana de Lisboa e
identificar os determinantes que lhe podem estar
associados. De forma global, 61,5% dos imigrantes
reportaram ter boa saúde. Esta proporção é
idêntica à que foi estimada no
Inquérito Nacional de Saúde (62,8%) para uma
a mos t r a r e pr e s e n t a t iva de imigr a n t es em
situação regular no país (Dias
et al.
, 2008).
Tal como esperado, observaram-se diferenças de
género, com as mulheres a reportarem pior estado
de saúde do que os homens. São também as
mulheres quem mais reporta doença crónica,
doença mental e maior número de dias
consecutivos em que estiveram doentes. Estes
resultados vão ao encontro de estudos realizados
com a população imigrante (Khlat e Darmon, 2003;
Malmusi
et al.
, 2010), bem como de outros
realizados com a população em geral (Cooper,
2002; Denton
et al.
, 2004).
Como era expectável, tanto nas mulheres como
nos homens, o aumento da idade, o nível superior
de escolaridade e a existência de doença crónica
estão associados a perceção de pior saúde, tal como
evidenciado noutras investigações (Cooper, 2002;
McDonald e Kennedy, 2004).
Também em ambos os grupos existe uma
variação do estado de saúde reportado de acordo
com a comunidade de origem, em que, de forma
geral, são os brasileiros e africanos que declaram
melhor saúde quando comparados com os
imigrantes da Europa de Leste. Estes resultados
suportam a ideia de que o contexto étnico está
associado ao estado de saúde (Lindstrom
et al.
,
2001). De facto, a perceção individual do estado de
saúde pode ser influenciada pelo contexto
sociocultural do país de origem, caracterizado por
crenças, valores, normas sociais e tradições
culturais (Wiking
et al.
, 2004). Neste sentido, pode
especular-se que a perceção positiva de saúde
revelada pelos imigrantes brasileiros e
africanos radica de fatores histórico-socioculturais
relacionados com o seu contexto, como sejam os
significados atribuídos à saúde, doença e seus
sintomas, à procura de cuidados ou à autogestão do
processo saúde-doença.
Adicionalmente, as comunidades brasileiras e
africanas partilham a mesma língua com a
população portuguesa, o que pode representar uma
potencial vantagemno processo de integração, com
impacto positivo na sua saúde, contrariamente aos
imigrantes oriundos da Europa de Leste.
Os imigrantes residentes há menos tempo em
Portugal reportaram mais frequentemente ter boa
saúde e não ter doença crónica, o que vai no sentido
do
healthy migrant effect
. Na verdade, a associação
entre tempo de residência e estado de saúde tem
sido documentada em estudos anteriores (Hosper
et
al.
, 2007; McDonald e Kennedy, 2004). Os dados
sugerem ainda que o fenómeno da aculturação
pode justificar as alterações na saúde dos
imigrantes ao longo do tempo. A prevalência de
práticas pouco saudáveis, como inatividade física e
cuidados alimentares reduzidos, foi mais elevada
entre os imigrantes a residir há mais tempo em
Portugal. Tal como tem sido descrito na literatura,
durante o período de estadia no país de
acolhimento, os imigrantes tendem a adotar
diferentes estilos de vida e comportamentos que,
muito provavelmente, não adotariam no seu país e
que, muitas vezes, apresentam risco para a saúde
(Hosper
et al.
, 2007; Jayaweera e Quigley, 2010).
Os dados apontam para a necessidade de
desenvolver esforços contínuos ao nível da
mudança de comportamentos e adoção de estilos de
vida saudáveis, contemplando prática regular de
exercício físico ou seguimento de uma alimentação
saudável, como estratégias capazes de prevenir a
doença e promover a saúde junto das populações
imigrantes.
De acordo com os resultados deste estudo, o
efeito dos rendimentos percecionados no estado de
saúde reportado só foi observado no grupo das
mulheres, o que pode ser indicador de desigualdade
socioeconómica acentuada neste subgrupo de
imigrantes. De facto, tem sido documentado que as
mulheres imigrantes tendem a ter menor acesso a
direitos básicos, menores taxas de educação,
salários inferiores ou a estar desempregadas
comparativamente aos homens (Malmusi
et al.
,
2010; Pécoud e Guchteneire, 2004). Em linha com
esta ideia, numa investigação qualitativa sobre
saúde sexual e reprodutiva de mulheres imigrantes
em Portugal, muitas participantes expressaram
dificuldades em ultrapassar os constrangimentos
económicos, principalmente porque tinham pouco
apoio por parte dos seus parceiros e assumiam,
sozinhas, todas as responsabilidades familiares
(Dias e Rocha, 2009). Estas circunstâncias
traduzem-se, muitas vezes, em maiores riscos para
a saúde destas mulheres (Malmusi
et al.
, 2010).
Interessa salientar que é também apenas no
grupo das mulheres que se verifica associação entre
o aumento do tempo de residência e pior estado de
saúde, podendo indiciar que são este grupo sente
maior degradação da saúde ao longo do tempo de
estadia em Portugal. Eventualmente, são elas as