Table of Contents Table of Contents
Previous Page  127 / 202 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 127 / 202 Next Page
Page Background

127

importa reconhecer que também as condições no

país de origem, durante o percurso migratório ou

no país de acolhimento, podem expor o indivíduo a

situações de risco para a saúde (Kristiansen

et al.

,

2007). Um estudo realizado em Portugal com

grupos focais de mulheres imigrantes africanas e

brasileiras sobre a temática da saúde sexual e

reprodutiva revelou que, muitas vezes, as

populações imigrantes encontram dificuldades no

país de acolhimento inerentes à própria situação de

imigrante, como condições precárias de vida e de

emprego, situações de discriminação e o

stress

associado a estas experiências (Dias e Rocha,

2009). Como relatado pelas participantes, este

contexto afeta a saúde individual, tornando as

mulheres particularmente vulneráveis durante o

período de gravidez e pós-parto, com implicações

para a saúde da mãe e do bebé (Dias e Rocha,

2009).

A associação entre imigração e vulnerabilidade

em saúde está também fortemente relacionada com

o acesso e utilização dos serviços de saúde

(Gonçalves

et al.

, 2003; WHO, 2010). O acesso e

utilização dos serviços pelos imigrantes são aspetos

importantes para diminuição da morbilidade nestas

populações e, em última análise, para boa

integração no país de acolhimento (Ingleby

et al.

,

2005; Kristiansen

et al.

, 2007). Dada a crescente

intensidade

dos

fluxos

migratórios,

a

heterogeneidade das populações imigrantes, a sua

importância demográfica e a evidência das suas

necessidades em saúde, a gestão da saúde e

promoção do bem-estar destas comunidades

implicam que os sistemas de saúde respondam

adequadamente aos diversos desafios que o

fenómeno migratório coloca, nomeadamente no

que se refere à disponibilidade, acessibilidade e

qualidade dos serviços prestados (WHO, 2010). De

facto, numa perspetiva de saúde pública, o impacto

dos fluxos migratórios coloca-se ao nível da saúde

das populações, mas também ao nível da pressão

exercida por este fenómeno nas dinâmicas dos

serviços de saúde.

Apesar do reconhecimento do direito à saúde

como um direito fundamental de todos os

indivíduos, constata-se que, em vários países

desenvolvidos recetores de imigrantes, estas

populações tendem, muitas vezes, a não beneficiar

de todos os serviços de saúde disponíveis e a não

serem efetivamente abrangidas pelos sistemas de

saúde ao nível da prevenção e tratamento da doença

e promoção e proteção da saúde (Quan

et al.

, 2006;

WHO, 2010). Vários estudos indicam que, quando

comparados com a população autóctone, alguns

grupos da população imigrante apresentam

menores índices de utilização dos serviços de saúde

(Norredam

et al.

, 2004; Quan

et al.

, 2006). Vários

autores sugerem que estas populações encontram

diversas dificuldades quando tentam aceder ou

utilizam estes serviços (Dias

et al.

, 2008;

Scheppers

et al.

, 2006). Num contexto de

subutilização de serviços, os cuidados de saúde

tendem a ser prestados tardiamente, com potencial

impacto na eficácia dos tratamentos realizados, nos

custos dos cuidados prestados e na satisfação dos

utentes. Em várias situações, os imigrantes tendem

a recorrer à automedicação, a pessoal não

especializado da comunidade ou à medicina

tradicional, o que pode remeter para situações de

risco potencial para a sua saúde

(Gonçalves

et al.

,

2003). Esta evidência tem levado a um crescente

interesse crescente da investigação na área da

procura de cuidados de saúde, do acesso e da

utilização dos serviços pelos imigrantes.

Em Portugal, o direito à saúde de todos os

cidadãos está consagrado na Constituição da

República Portuguesa e, desde 2001, assume-se o

princípio do acesso universal aos cuidados de

saúde por parte dos imigrantes, independentemente

do seu estatuto administrativo (Despacho n.º

25.360/2001, Diário da República, II Série, n.º 286,

de 12 de dezembro de 2001). No entanto, apesar

desta garantia legal, constata-se a existência de

dificuldades no acesso e utilização dos serviços de

saúde em alguns grupos de imigrantes (Dias

et al.

,

2008; Machado

et al.

, 2006).

Em termos conceptuais, a noção de “acesso” aos

cuidados de saúde é multidimensional, englobando

o direito de um indivíduo utilizar os serviços, a sua

capacidade para os utilizar e a eficácia e adequação

dos cuidados prestados (Ingleby

et al.

, 2005). O

conceito de “utilização” refere-se ao uso da oferta

de serviços num determinado espaço temporal

(Travassos e Martins, 2004). O modelo explicativo

do acesso à saúde desenvolvido por Andersen em

1968 -

Behavioral Model of Health Services Use

-

conceptualiza o acesso e utilização dos serviços de

saúde nas seguintes dimensões: a) contexto das

políticas de saúde (financiamento, recursos

humanos e organização do sistema de saúde), b)

características do sistema de saúde (distribuição

geográfica, cobertura, organização e estrutura dos

serviços), c) características das populações, d)

resultados em termos de utilização dos serviços e

satisfação dos utentes (Andersen, 1968). Numa

revisão deste modelo por Andersen, em 1995, o

conceito de acesso à saúde tornou-se mais

abrangente, distinguindo-se

entre

“acesso

potencial”, isto é, os recursos de saúde disponíveis

e a capacidade para os utilizar, e “acesso real”, que