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INFORMAÇÃO EM MEDICINA DAS VIAGENS: TER OU NÃO TER, EIS A QUESTÃO
JORGE SEIXAS
ROSA TEODÓSIO
JORGE ATOUGUIA
Unidade de Ensino e Investigação de Clínicas das Doenças Tropicais. Instituto de Higiene e Medicina
Tropical – Universidade Nova de Lisboa.
:
JSeixas@ihmt.unl.pt(Jorge Seixas).
Nas últimas quatro décadas, o número de viajantes
em todo o mundo aumentou dramaticamente,
coincidindo com a introdução do Boeing 747 na
aviação civil em 1970, um marco importante para
o turismo de massa. Estima-se atualmente que mais
de 900 milhões de indivíduos cruzem fronteiras
internacionais anualmente, um número que cresce
cerca de 6 % por ano. Este aumento no volume de
viajantes internacionais constituiu um grande
impulso para o desenvolvimento da Medicina das
Viagens como especialidade médica nos últimos 30
anos.
A Medicina das Viagens e a Medicina Tropical
são duas componentes importantes da Medicina
Geográfica, uma área do conhecimento médico
antiga: já nos séculos V-IV a.C. se conheciam e
estudavam as diferenças na prevalência e
incidência de malária entre os indivíduos vivendo
a baixa ou alta altitude. Visa, em termos gerais,
estudar o impacto das condições geográficas e
ambientais na saúde humana. Em termos
individuais, a Medicina Geográfica incorpora
dados como a incidência geográfica das doenças e
a estimativa do risco temporal de exposição no
diagnóstico diferencial da situação clínica de um
doente, de forma a aumentar a sua abrangência e
precisão. Esta integração de dados geográficos no
conhecimento da apresentação clínica das doenças
é igualmente utilizada na Medicina das Viagens e
na Infecciologia/Medicina Tropical para o
aconselhamento de medidas profiláticas e na
resolução de problemas clínicos que possam surgir
durante ou após a viagem.
A Medicina das Viagens é uma área de
conhecimento
médico
interdisciplinar
em
constante modificação. A sua complexidade é
crescente, associada a mudanças dinâmicas na
epidemiologia global das doenças infeciosas e no
padrão de resistências medicamentosas dos
microrganismos, ao aumento no número de
viajantes portadores de patologias crónicas e à
crescente duração, diversidade e complexidade dos
itinerários e atividades dos viajantes. De forma a
atingir cabalmente os objetivos da Medicina das
Viagens (manter o viajante saudável, diagnosticar
e tratar patologias adquiridas durante a viagem e
proteger a saúde pública), o profissional que a
pratica necessita constantemente de informação
atualizada sobre o risco de aquisição de doenças
infecciosas, de mudanças no padrão destas doenças
(surgimento de doenças “ de novo” ou re-
emergência em áreas previamente sob controlo), de
riscos de outros eventos/acidentes não infeciosos
(incidentes
e
catástrofes
geoclimáticas,
instabilidade
sociopolítica,
insegurança
e
violência), de mudanças no padrão de sensibilidade
dos microrganismos (resistência aos anti-maláricos
e aos antibióticos usados, por exemplo, no
tratamento da diarreia do viajante e das infeções
transmitidas sexualmente) e de avanços nas
medidas preventivas (novas vacinas e novos
medicamentos usados na profilaxia). É
adicionalmente importante que o profissional
esteja atualizado sobre regulamentos nacionais e
internacionais aplicáveis ao viajante.
Ainda que alguma desta informação esteja
disponível em publicações sobre Medicina das
Viagens, entre as quais as mais utilizadas são o
International Travel and Health
, da Organização
Mundial da Saúde (conhecido como “livro azul da
OMS”) e o
Health Information for International
Travel
(conhecido como “livro amarelo da OMS”),
do
Centers for Disease Control
, nos EUA, estas
fontes são perigosamente “estáticas”, uma vez que
a sua atualização ocorre, na melhor das hipóteses,
de dois em dois anos. O mesmo comentário aplica-
se aos vários e excelentes livros de texto sobre
Medicina das Viagens existentes. A expectativa
realista em relação a estas publicações é que
possam servir como uma base para avaliação dos
riscos infeciosos, recomendações e regulamentos
aplicáveis a cada país, bem como para aquisição de
conhecimentos teóricos em Medicina das Viagens.
Em geral, serão, no entanto, suficientes para que
um clínico geral ou um não-especialista possam
aconselhar um viajante saudável que se desloca
para um destino de baixo risco, usufruindo das
atividades turísticas usuais. A utilização exclusiva
destas fontes de informação face a um viajante
mais complexo ficará potencialmente associada a