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S22

Artigo Original

1. Introdução

No Brasil, como em diversos países do mundo, têm

sido observados consideráveis processos de mudança na

conformação do sistema de saúde, resultados de refor-

mas institucionais e sociais mais globais que ganharam

expressão setorial importante. No caso da Reforma Sa-

nitária Brasileira (RSB), é consenso entre diversos au-

tores que as lutas pela saúde foram subsidiárias das lutas

pela democracia no final dos anos 70 e década de 80, e

que o Sistema Único de Saúde (SUS), considerado um

dos maiores sistemas públicos do mundo, representou

uma inflexão radical na configuração e organização do

sistema [1, 2].

Entretanto, apesar de ter por substrato princípios e di-

retrizes abrangentes, incluindo a universalidade, igual-

dade e integralidade da atenção, a trajetória de quase 30

anos do SUS tem sido marcada por inúmeras contradi-

ções: parcelas importantes da população continuam de-

sassistidas e com dificuldades de acesso [3, 4] a estrutura

das unidades de saúde é precária em inúmeros casos [5],

há problemas de qualidade dos serviços [6] na oferta e

distribuição de medicamentos [7], na efetividade do con-

trole social [8], há inúmeras desigualdades regionais e de

grupos sociais [9] que atestam as idas e vindas e a grande

complexidade dos processos de mudança.

Nesse particular, cabe destacar certas dificuldades en-

frentadas pelo SUS no que diz respeito à operacionali-

zação dos princípios da igualdade e da equidade. Ainda

que se observe uma significativa produção de publicações

contemplando esses princípios doutrinários, parte dela

utiliza tais noções como sinônimos e uma proporção ain-

da menor empenha-se em explicitar definições, concei-

tos e referenciais teóricos relacionados com os mesmos.

Do ponto de vista semântico e etimológico, a palavra

equidade

está próxima da

igualdade

e ambas podem ser ad-

mitidas como sinônimos. São consideradas contraponto

para as desigualdades, sejam as sócio-económicas, sejam

as de saúde. Em texto muito divulgado pelo Escritório

Regional da OMS na Europa, ressalta-se que equidade

supõe superar diferenças evitáveis, desnecessárias e con-

sideradas injustas [10].

No Brasil, por exemplo, a equidade tem sido compreen-

dida, normativamente, como a obtenção igualitária, en-

tre os cidadãos, de ações e serviços no âmbito do SUS

[11]. Sugere uma perspetiva restrita de operacionaliza-

ção, centrada exclusivamente no acesso a bens e serviços

de saúde.

O enfrentamento das desigualdades é uma questão de ex-

trema complexidade e avanços na situação de saúde das

populações não necessariamente acompanhada de redu-

ção das iniquidades. Às vezes ocorre o contrário.A litera-

tura tem demonstrado que nem sempre, ou quase nunca,

as intervenções voltadas para a melhoria de indicadores

de saúde apresentam correspondência com a sua melho-

ria entre os grupos mais excluídos. O estudo de Gwatkin

(2002) [12] sobre políticas públicas é ilustrativo e apre-

senta resultados impressionantes: a revisão internacional

mostrou que não houve sequer um país em que os 20%

mais pobres da população tenha recebido ao menos 25%

do benefício económico dos gastos de governo.

Nesse ponto, cumpre assinalar a importância da inves-

tigação permanente dos resultados das intervenções em

saúde por referência ao alcance da equidade e da imple-

mentação de meios de difusão de um pensamento crítico

e comprometido com a inclusão social, que fortaleça a

adoção da perspetiva da equidade tanto na implementa-

ção das políticas públicas quanto no desenvolvimento da

pesquisa em saúde.

Em diversos países, as preocupações com os efeitos da

crise económica e do cenário político no estado de saúde

das populações e na organização dos sistemas de saúde

têm suscitado a emergência de Observatórios. Estes uti-

lizam informações dos sistemas de monitorização, avalia-

ção e vigilância, mas não se propõem a ser meras “

réplicas

ou substituições de quaisquer partes dos sistemas de informação

sanitária ou de repositórios crus ou inteligentes de estatísticas de

saúde

”.A missão dos observatórios está estritamente rela-

cionada com a sistematização do conhecimento produzi-

do e com a realização de análises críticas e elaboração de

proposições adequadas, identificando lacunas e promo-

vendo melhorias nos processos de informação sanitária, e

articulando os centros produtores de conhecimento com

os centros de decisão política em saúde [13].

Recentemente, o Instituto de Saúde Coletiva da Univer-

sidade Federal da Bahia (Brasil) liderou um grande pro-

jeto de pesquisa [14] cujo propósito incorporava, além

da produção de conhecimento científico sobre políticas

de saúde, o

compromisso

com a construção e fortalecimento de

sistemas universais de saúde,

[…]

baseados nos princípios da

solidariedade, equidade, universalidade e integralidade da aten-

ção à saúde

, utilizando como uma das estratégias para o

alcance desse objetivo a formulação e implementação de

um Observatório de Saúde.

Este artigo apresenta a conceção e descreve a experiên-

cia de construção do Observatório deAnálise Política em

Saúde (OAPS), ao mesmo tempo que busca discutir até

que ponto o OAPS se constitui em uma ferramenta capaz

de contribuir com a adoção da perspetiva da equidade na

formulação e implementação das políticas e da pesquisa

em saúde.

2. Contextualização

No início da década, um balanço da situação de saú-

de da população e do sistema de saúde brasileiro deu

origem a um número especial da série

Lancet: Health in

Brazil

(2011). Nessa oportunidade, foi possível identi-