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S102

Como é que a utilização da

internet

transformou o

conceito de espaço público?

Os algoritmos operam num conjunto de cálculos em áreas

tão diversas como a cultura, os transportes, as finanças, a

saúde, e até mesmo no amor. Entraram no nosso quotidiano:

removem o lixo das nossas caixas de mensagens, fazem re-

comendações, guiam os nossos movimentos e personalizam

a publicidade. Existe, por conseguinte, cálculo por todo o

lado. A omnipresença dos números e dos indicadores não é

nova. Mas com a expansão dos vestígios digitais, os novos

cálculos estendem o seu controlo sobre a formação do espa-

ço público. Com os

Media

tradicionais (rádio, imprensa, tele-

visão), os jornalistas tinham a responsabilidade de nos mos-

trar as informações importantes. Decidiam o que era público

e o que era privado, importante ou não importante. Agora,

com os motores de busca e as redes sociais, são os algoritmos

que filtram e hierarquizam a informação. O espaço público

foi expandido, temos acesso a cada vez mais informação, mas

também o controlo que temos sobre a seleção e classificação

de informações é decidido por outros: aqueles que progra-

mam os algoritmos.

De que maneira os algoritmos oferecidos pelas no-

vas tecnologias influenciam as atitudes dos indiví-

duos, especialmente como consumidores?

O que é subtil, com a nova governabilidade algorítmica é

que esta não se deixa facilmente descrever no vocabulário

disciplinar da censura ou do aprisionamento, cria antes um

ambiente que orienta sem obrigar. Como Michel Foucault

descrevia a propósito do neoliberalismo, trata-se de gover-

nar as condutas, mas com liberdade e autonomia. As novas

técnicas de aprendizagem que se desenvolvem muito rapi-

damente no mundo dos

big data “

calculam” os indivíduos

com base nos seus comportamentos passados remetendo-

-lhes constantemente a responsabilidade das suas escolhas.

Se as pessoas têm comportamentos monótonos, se têm

amigos que tenham as mesmas ideias e os mesmos gostos,

se seguem sempre o mesmo caminho, em seguida, as calcu-

ladoras encerram-nas na sua regularidade. Se, no entanto,

os indivíduos mostram comportamentos mais diversificados,

seguem caminhos inesperados, têm redes sociais heterogé-

neas, então os algoritmos vão ampliar as escolhas e por vezes

fazer-lhes descobrir novos horizontes. Calculando os nossos

passos, os algoritmos reproduzem de facto as desigualdades

de recursos entre os indivíduos. No mundo do consumo,

as recomendações algorítmicas contribuem assim para um

isolamento na “bolha” dos seus comportamentos passados,

tornando-os regulares e monótonos.

Qual é a importância dos algoritmos para as marcas?

As marcas procuram entrar no fluxo de informações dos uti-

lizadores da

internet

. Estas fazem-no comprando espaços pu-

blicitários que agora os algoritmos tentam personalizar. Uma

parte da publicidade

online

, está agora confiada às respostas

automáticas em tempo real (

Real Time Bidding

). A operação

de cálculo não dura mais que duas centenas de milésimos de

segundo entre o clique para uma página

web

e a exibição do

conteúdo publicitário no ecrã do utilizador. Durante este ín-

fimo período, o

cookie

do utilizador, tornado disponível pelo

navegador (Exelate, BlueKai,Weborama...), envia os últimos

rastos de navegação para um sistema de licitação automática

que permite aos anunciantes em competição debaterem-se

sobre a proposta de um preço da exibição do seu conteúdo

publicitário. Os anunciantes estimam, a partir da sua própria

base de dados de comportamentos e de perfis de outros utili-

zadores, as probabilidades estatísticas que um utilizador terá

de clicar numa ou noutra informação publicitária com a fina-

lidade de fixar uma licitação. O vencedor poderá exibir a sua

publicidade na página que está a ser carregada pelo utiliza-

dor. Durante esta operação, os anunciantes privilegiam cada

vez mais os vestígios do comportamento de navegação dos

utilizadores, contrariamente ao conhecimento dos clientes

sob a forma de categorias (sexo, idade, nível de rendimen-

to,

marketing

), informações que estes raramente têm através

de

cookies

. A escolha do ambiente de publicidade que vai ser

sugerido para o utilizador é assim criada em tempo real a

partir de uma análise comportamental dos últimos vestígios

das suas ações passadas.

De que forma os algoritmos concedem poder aos

utilizadores?

Os algoritmos calculam ambientes que dão ao utilizador a

sensação de escolher e decidir. No entanto, este princípio

contém dois riscos: o primeiro é o desconhecimento dos

utilizadores do facto que o espaço informacional no qual cir-

culam foi calculado, tornando importante a sua educação e a

vigilância crítica. O segundo é a automatização das decisões

algorítmicas quando estas últimas tomam as decisões, esco-

lhem e fazem o clique em vez dos próprios utilizadores. É

importante poder desmultiplicar os sistemas.

Que tipo de sociedade é fabricada pelos algorit-

mos?

Os cálculos dos

big data

destinam-se a descrever a sociedade

nivelada por baixo, diretamente a partir dos comportamen-

tos sem o uso de modelos ou de pré-categorização como fa-

zem, por exemplo, as categorias socioprofissionais. Há um

projeto, de inspiração libertária ou libertariana, de dar à re-

presentação da sociedade uma forma mais de acordo com a

livre auto-organização dos indivíduos, das ações e dos mer-

cados que uma regulação paternalista não faria, nivelada “por

cima”, com quadros, categorias e convenções. Os zelosos

profetas americanos do

big data

promovem esta ideia de que,

calculando bem com bons dados, o governo seria menos in-

justo, menos paternalista, com menos distorções sobre o que

são as instituições ou os meios de comunicação, porque teria

entendido a sociedade a partir das ações dos indivíduos. Este

é evidentemente um mito que é necessário desconstruir.

Big Data

e ciência aberta