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Como é que a utilização da
internet
transformou o
conceito de espaço público?
Os algoritmos operam num conjunto de cálculos em áreas
tão diversas como a cultura, os transportes, as finanças, a
saúde, e até mesmo no amor. Entraram no nosso quotidiano:
removem o lixo das nossas caixas de mensagens, fazem re-
comendações, guiam os nossos movimentos e personalizam
a publicidade. Existe, por conseguinte, cálculo por todo o
lado. A omnipresença dos números e dos indicadores não é
nova. Mas com a expansão dos vestígios digitais, os novos
cálculos estendem o seu controlo sobre a formação do espa-
ço público. Com os
Media
tradicionais (rádio, imprensa, tele-
visão), os jornalistas tinham a responsabilidade de nos mos-
trar as informações importantes. Decidiam o que era público
e o que era privado, importante ou não importante. Agora,
com os motores de busca e as redes sociais, são os algoritmos
que filtram e hierarquizam a informação. O espaço público
foi expandido, temos acesso a cada vez mais informação, mas
também o controlo que temos sobre a seleção e classificação
de informações é decidido por outros: aqueles que progra-
mam os algoritmos.
De que maneira os algoritmos oferecidos pelas no-
vas tecnologias influenciam as atitudes dos indiví-
duos, especialmente como consumidores?
O que é subtil, com a nova governabilidade algorítmica é
que esta não se deixa facilmente descrever no vocabulário
disciplinar da censura ou do aprisionamento, cria antes um
ambiente que orienta sem obrigar. Como Michel Foucault
descrevia a propósito do neoliberalismo, trata-se de gover-
nar as condutas, mas com liberdade e autonomia. As novas
técnicas de aprendizagem que se desenvolvem muito rapi-
damente no mundo dos
big data “
calculam” os indivíduos
com base nos seus comportamentos passados remetendo-
-lhes constantemente a responsabilidade das suas escolhas.
Se as pessoas têm comportamentos monótonos, se têm
amigos que tenham as mesmas ideias e os mesmos gostos,
se seguem sempre o mesmo caminho, em seguida, as calcu-
ladoras encerram-nas na sua regularidade. Se, no entanto,
os indivíduos mostram comportamentos mais diversificados,
seguem caminhos inesperados, têm redes sociais heterogé-
neas, então os algoritmos vão ampliar as escolhas e por vezes
fazer-lhes descobrir novos horizontes. Calculando os nossos
passos, os algoritmos reproduzem de facto as desigualdades
de recursos entre os indivíduos. No mundo do consumo,
as recomendações algorítmicas contribuem assim para um
isolamento na “bolha” dos seus comportamentos passados,
tornando-os regulares e monótonos.
Qual é a importância dos algoritmos para as marcas?
As marcas procuram entrar no fluxo de informações dos uti-
lizadores da
internet
. Estas fazem-no comprando espaços pu-
blicitários que agora os algoritmos tentam personalizar. Uma
parte da publicidade
online
, está agora confiada às respostas
automáticas em tempo real (
Real Time Bidding
). A operação
de cálculo não dura mais que duas centenas de milésimos de
segundo entre o clique para uma página
web
e a exibição do
conteúdo publicitário no ecrã do utilizador. Durante este ín-
fimo período, o
cookie
do utilizador, tornado disponível pelo
navegador (Exelate, BlueKai,Weborama...), envia os últimos
rastos de navegação para um sistema de licitação automática
que permite aos anunciantes em competição debaterem-se
sobre a proposta de um preço da exibição do seu conteúdo
publicitário. Os anunciantes estimam, a partir da sua própria
base de dados de comportamentos e de perfis de outros utili-
zadores, as probabilidades estatísticas que um utilizador terá
de clicar numa ou noutra informação publicitária com a fina-
lidade de fixar uma licitação. O vencedor poderá exibir a sua
publicidade na página que está a ser carregada pelo utiliza-
dor. Durante esta operação, os anunciantes privilegiam cada
vez mais os vestígios do comportamento de navegação dos
utilizadores, contrariamente ao conhecimento dos clientes
sob a forma de categorias (sexo, idade, nível de rendimen-
to,
marketing
), informações que estes raramente têm através
de
cookies
. A escolha do ambiente de publicidade que vai ser
sugerido para o utilizador é assim criada em tempo real a
partir de uma análise comportamental dos últimos vestígios
das suas ações passadas.
De que forma os algoritmos concedem poder aos
utilizadores?
Os algoritmos calculam ambientes que dão ao utilizador a
sensação de escolher e decidir. No entanto, este princípio
contém dois riscos: o primeiro é o desconhecimento dos
utilizadores do facto que o espaço informacional no qual cir-
culam foi calculado, tornando importante a sua educação e a
vigilância crítica. O segundo é a automatização das decisões
algorítmicas quando estas últimas tomam as decisões, esco-
lhem e fazem o clique em vez dos próprios utilizadores. É
importante poder desmultiplicar os sistemas.
Que tipo de sociedade é fabricada pelos algorit-
mos?
Os cálculos dos
big data
destinam-se a descrever a sociedade
nivelada por baixo, diretamente a partir dos comportamen-
tos sem o uso de modelos ou de pré-categorização como fa-
zem, por exemplo, as categorias socioprofissionais. Há um
projeto, de inspiração libertária ou libertariana, de dar à re-
presentação da sociedade uma forma mais de acordo com a
livre auto-organização dos indivíduos, das ações e dos mer-
cados que uma regulação paternalista não faria, nivelada “por
cima”, com quadros, categorias e convenções. Os zelosos
profetas americanos do
big data
promovem esta ideia de que,
calculando bem com bons dados, o governo seria menos in-
justo, menos paternalista, com menos distorções sobre o que
são as instituições ou os meios de comunicação, porque teria
entendido a sociedade a partir das ações dos indivíduos. Este
é evidentemente um mito que é necessário desconstruir.
Big Data
e ciência aberta