S59
Plano Estratégico de Cooperação em Saúde na CPLP
ou atenuação dos limites e falhas de mercado decorrentes
do seu funcionamento, a proteção dos consumidores na sua
relação de troca desigual com os produtores e distribuido-
res, sobretudo nos casos de assimetrias de informação e a
garantia da manutenção das obrigações de serviço público
6
.
A independência das autoridades reguladoras tem sido alvo
de fortes críticas, desde a sua origem no contexto norte-
-americano, e muito potenciadas pelo sistema administra-
tivo de tipo continental europeu, e que se referem à sua
legitimidade democrática. Estas objeções prendem-se fun-
damentalmente com o défice democrático alegadamente
inerente à subtração ao controlo político executivo e parla-
mentar e à sua condição de quarto poder ou poder neutro.
Face a estas críticas a doutrina procurou uma nova legiti-
mação das autoridades reguladoras independentes. Em pri-
meiro lugar, a consideração prevalecente na doutrina é a de
que a atividade das autoridades reguladoras independentes
se insere na função administrativa. Nestes termos, é im-
portante ter presente que a atividade das autoridades regu-
ladoras independentes está vinculada à lei, na mesma me-
dida em que o está a administração tradicional. Por outro
lado, tem sido defendido que a legitimação das autoridades
reguladoras independentes se aproxima mais da legitimi-
dade democrática procedimental do que da legitimidade
democrática política ou parlamentar.
A legitimidade das autoridades reguladoras independentes
tem ainda alicerce noutros mecanismos de responsabilida-
de, tais como uma rigorosa definição dos seus mandatos,
a elaboração de relatórios regulares da atividade, o escru-
tínio da comissão parlamentar competente e os restantes
controlos transversais gerais.
Finalmente, há ainda que fazer referência aos seus poderes.
Como se referiu acima, a atividade regulatória comporta
três tarefas essenciais: a definição e aprovação de regras,
a implementação concreta dessas regras e a fiscalização
do respetivo cumprimento (que inclui a punição dos in-
fratores). Correspondem a estas tarefas o poder de emitir
regulamentos, o poder de emitir os atos administrativos
tendentes à execução das funções de supervisão e ainda o
poder sancionatório, de aplicação de coimas e outras san-
ções acessórias em sede de processos contraordenacionais.
3 - A regulação na saúde
O sector da saúde tem especificidades que o tornam dife-
rente de outros mercados de bens e serviços, tanto ao ní-
vel do comportamento dos seus agentes como das relações
económicas que entre eles se estabelecem. Em outras ativi-
dades económicas, o livre funcionamento dos mecanismos
de mercado garante, à partida, resultados satisfatórios. Mas
esse não é, frequentemente, o caso da prestação de cuida-
dos de saúde, por várias características que genericamente
se designam por “falhas de mercado”.
Tais falhas de mercado compreendem as fortes assimetrias
de informação entre prestadores e utentes, o facto de a
prestação de cuidados de saúde ocorrer, frequentemente,
em contexto de grande incerteza, o facto de os mercados
apresentarem uma estrutura de concorrência imperfeita,
ou a existência de uma relação de agência entre profissio-
nal de saúde e utente, na qual se baseia grande parte do
consumo.
De todas estas especificidades decorre o risco do surgimen-
to de fenómenos indesejáveis, tais como a seleção adversa
de doentes com base em critérios financeiros, a indução
artificial da procura e a redução da qualidade e segurança
dos serviços prestados como forma de aumentar a rendibi-
lidade da atividade empresarial.
Assim, são objetivos da regulação na saúde garantir o aces-
so universal aos cuidados de saúde publicamente financia-
dos, assegurar níveis de qualidade e segurança satisfatórios,
garantir concorrência que produza uma relação qualidade/
preço satisfatória e capacitar os utentes para a defesa dos
seus direitos e interesses.
A regulação na saúde surge num contexto lato de um sis-
tema de regulação e supervisão, assente nos princípios da
separação das funções do Estado como regulador e super-
visor, em relação às suas funções de operador e de finan-
ciador e da autonomia do organismo regulador, com com-
petências de regulação e supervisão dos estabelecimentos,
instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde,
no que respeita ao cumprimento das suas obrigações legais
e contratuais relativas ao acesso dos utentes aos cuidados
de saúde, à observância dos níveis de qualidade e à segu-
rança e aos direitos dos utentes, o que abrange também
assegurar os direitos e interesses legítimos dos utentes e
garantir a concorrência entre os operadores, no quadro da
prossecução dos direitos dos utentes.
A missão da regulação na saúde, em sentido estrito, traduz-
-se na regulação da atividade dos estabelecimentos pres-
tadores de cuidados de saúde, e as suas atribuições com-
preendem a supervisão desses estabelecimentos no que
respeita a) ao controlo dos requisitos de funcionamento; b)
à garantia de acesso aos cuidados de saúde; c) à defesa dos
direitos dos utentes; d) à garantia da prestação de cuidados
de saúde de qualidade; e) à regulação económica; f) à pro-
moção e defesa da concorrência.
1 - Esta secção segue de perto o texto a publicar “A Entidade Reguladora da Saú-
de”, da autoria de Jorge Simões e LuísVale Lima.
2 - Cfr.Vital Moreira,Auto-regulação Profissional e Administração Pública, Coim-
bra, 1997, p. 35.
3 - Cfr.Vital Moreira & Maria Manuel Leitão Marques,A MãoVisível – Mercado e
Regulação, Coimbra, 2003, p. 14.
4 - Cfr.Vital Moreira/LuísVale Lima, “A nomeação dos reguladores – entre o
radicalismo e a moderação das propostas”, inTextos de Regulação ERS, 2012.
5 - Cfr.Autoridades Reguladoras Independentes, cit., p. 53.
6 - Cfr. Maria M. Leitão Marques,Vital Moreira, “Economia de mercado e regula-
ção”, in A MãoVisível, cit., p. 14