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nómico. O continente europeu atravessou importantes

transformações no decorrer do século XIX, nomeada-

mente, as revolucionárias invenções técnicas e o desen-

volvimento do capital financeiro. Naturalmente, estas

mudanças não foram sentidas da mesma forma em todos

os estados europeus. A noção de riqueza estava associada

às reservas de ferro e carvão mineral, bem como ao de-

senvolvimento de caminhos de ferro para o transporte

de mercadorias. Portugal não dispunha no seu subsolo

de reservas ferríferas nem carboníferas que pudessem

alavancar o seu desenvolvimento industrial [27]. O país

manteve-se, desta forma, dependente de uma fraca agri-

cultura – mais coletora do que produtora – incapaz de

satisfazer suas necessidades internas [28]. Ainda assim, a

elevada taxa de natalidade e a diminuição gradual da taxa

de mortalidade garantiram – apesar de o país manter uma

das mais altas taxas de emigração per capita da Europa

[20] – o aumento populacional, com uma taxa de cresci-

mento demográfico de 1% na viragem do século XIX para

o XX. O país passou de 5.423.123 habitantes em 1900

para 5.960.056 em 1911 [29]. Uma indústria incipiente e

uma agricultura deficitária não foram capazes de absorver

o excedente demográfico português, compelindo, desta

forma, os filhos de Portugal a buscarem melhores condi-

ções laborais no exterior.

O Brasil, a ex-colónia americana, atraiu centenas de mi-

lhares de portugueses pelo seu desenvolvimento econó-

mico e a consequente necessidade de braços para as la-

vouras da região sudeste, mas também pela imagem de

“terra afortunada” que o jovem país despertava entre os

portugueses. As lendas sobre a “árvore das patacas” onde

o dinheiro brasileiro estava pronto para ser colhido eram

contatas nas aldeias portuguesas. A opção pela emigração

surgia aos olhos do português com um mal necessário,

que tinha como consolo a promessa de ser temporário.

Tratava-se de buscar no Brasil uma modificação no seu

estatuto social, não permitida em Portugal [30]. Atingi-

do o sucesso nesta empreitada sul-americana, o imigrante

poderia regressar à sua aldeia natal.

Os emigrantes enfrentavam a dor da partida, a viagem

de quinze dias rumo ao Brasil em acomodações precárias

de terceira classe e percebiam nos primeiros dias após o

desembarque as dificuldades em ganhar a vida nas cidades

brasileiras, e ainda, a necessidade de remeter parte de

suas poupanças para a família em Portugal. Muitos foram

os que se entregaram a extenuantes jornadas de trabalho,

residindo em precárias acomodações e mal alimentados

com o intuito de economizarem até o último centavo na

esperança de retornarem triunfantes para a terra de ori-

gem. Esta situação poderia conduzir a um desgaste físico

e mental contribuindo para abalar sua saúde e, em alguns

casos, favorecer a manifestação de transtornos mentais.

A psiquiatria do período considerava que a cerebração –

maior esforço na atividade cerebral – exigida pela agita-

ção do mundo moderno poderia conduzir a uma estafa

física e psíquica, o que tornaria o corpo mais vulnerável

à proliferação de doenças. Estas, por sua vez, atingiriam

com mais facilidade os pontos com menor resistência do

organismo e, se este fosse o sistema nervoso, poderiam

surgir perturbações psíquicas [31].

A associação entre o trabalho exaustivo e a manifestação

de transtornos mentais parece ser compartilhada pelos

familiares dos pacientes, nos questionários por eles res-

pondidos surge a pergunta: “quais são, no vosso pensar,

as causas da doença atual?” e a resposta, muitas vezes, é

“esgotamento nervoso por excesso de trabalho”.

Além do trabalho duro, reveses financeiros que pudes-

sem ameaçar as conquistas do imigrante também foram

apontados como agentes desencadeadores de desordens

psíquicas. Num prontuário de uma imigrante consta, que

depois de anos de trabalho no Brasil, conseguiu dinheiro

suficiente para a aquisição de uma mercearia em São Pau-

lo, porém foi vítima de um ato pouco honesto no momen-

to da compra ao adquirir um imóvel inexistente. Depois

do golpe apresentava-se “nervosa em excesso”, chorou

pelo dinheiro perdido e lamentou a Deus por ter recebido

tal castigo sem o merecer [32].

Em alguns casos os pacientes manifestavam desejos de

alta do hospital com o objetivo de retornar ao trabalho

e continuar a sua luta por melhores condições sociais no

Brasil. Procedente do Recolhimento das Perdizes – que

funcionou como um depósito de pacientes que aguarda-

vam uma vaga no Juquery [33] –, um paciente madeiren-

se diagnosticado com esquizofrenia aceitou responder às

perguntas dos médicos que “depois de muitas insistências”

conseguiram contornar seu mutismo:

– Quer voltar para São Paulo?

– Quero.

– Pra quê?

– Trabalhar.

– E o que mais?

– E ganhar dinheiro para guardar

[34].

O mesmo pretendeu outro paciente quando solicitava

aos médicos algum medicamento que pudesse curar seu

alcoolismo, pois precisava de voltar a trabalhar. Portan-

to, a preocupação com o trabalho e o projeto de enri-

quecimento, que marcam a emigração portuguesa para o

Brasil, surgiram, também, na documentação prontuarial.

Alguns pacientes chegavam a contar que realizaram várias

viagens transatlânticas entre Portugal e o Brasil, como

José, um dos internados, que quando foi inquirido sobre

o motivo de tantas viagens para a América do sul, respon-

deu: “pobre tem que andar”.[35]

Os diagnosticados com delírio de grandeza ou megaloma-

nia oferecem um bom exemplo do alcance das frustrações

naqueles que viam seus sonhos de riqueza se esvaecer em

terras estrangeiras. Segundo Pacheco e Silva, um deliran-

te é “todo o indivíduo que imagina coisas contrárias à evi-

Doenças, agentes patogénicos, atores, instituições e visões da medicina tropical