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A n a i s d o I HM T

Na discriminação por sexo, entre os esquizofrénicos no

período compreendido entre 1929 e 1939, foram iden-

tificados 4.447 homens e 5.076 mulheres internados em

Portugal [19], 46% contra 54%. Na amostra recolhida

pela perscrutação dos prontuários do Juquery, foram 51

homens e 28 mulheres, 65% contra 35% respetivamente.

Desta forma, percebe-se que, proporcionalmente, o nú-

mero de indivíduos internados com diagnóstico de esqui-

zofrenia foi maior entre os homens portugueses em São

Paulo do que em Portugal, onde, pelo contrário, predo-

minavam as mulheres.

A maior incidência de homens esquizofrénicos entre os

portugueses na capital paulista pode estar relacionada

com as características da corrente imigratória portu-

guesa para o Brasil. Segundo os dados da Secretaria de

Agricultura, entre 1908 e 1936 desembarcaram no por-

to de Santos 171.270 homens e 81.987 mulheres, 68%

contra 32% [20]. A forte predominância masculina no

fluxo imigratório português ajuda a explicar o porquê

do predomínio dos homens sobre as mulheres. Portanto,

aquele dado não deve ser atribuído a alguma pré-dispo-

sição dos homens portugueses à esquizofrenia, mas sim a

heterogeneidade sintomática desta doença e as particu-

laridades da população lusitana residente no Estado de

São Paulo.

O debate psiquiátrico estava ancorado nas conceções eu-

génicas da época em busca de uma raça higiénica e apta

para enfrentar os desafios da vida moderna, e o imigrante

tornou-se um alvo importante na promoção ou no fracasso

deste projeto. As autoridades brasileiras passaram a adotar

medidas restritivas quanto à imigração no país, como a lei

de cotas de 1934 – estabeleceu que o número de estrangei-

ros de uma nacionalidade admitidos no país não excederia

o limite anual de 2% do número de imigrantes da mesma

nacionalidade entrados no Brasil entre 1884 a 1934 [21], os

portugueses foram isentos das cotas em 1939, e o Decreto

3010 de 20 de agosto de 1938 que, entre outras medidas,

autorizava o repatriamento de todos aqueles que, em pe-

ríodo de seis meses após desembarque, apresentassem sin-

tomas de doenças mentais[22]. Tratava-se de uma política

de restrição, seleção e controlo da entrada de estrangeiros

em território brasileiro.

Embora os portugueses fossem tratados como imigran-

tes preferenciais em virtude de suas supostas facilidades

de adaptação no Brasil, aqueles que enlouquecessem co-

nheciam a degradação de seu estatuto privilegiado – pas-

sando de “imigrantes ideais” para “agentes degeneradores

da raça”. O recurso a prontuários clínicos de instituições

psiquiátricas é uma forma viável de contar parte da histó-

ria destes indivíduos, mas este trabalho não abarca, nem

tem a pretensão, de analisar a totalidade dos casos de

transtornos mentais entre portugueses, dado que prova-

velmente há casos que ficaram sob a custódia das famílias

ou que entraram na mendicidade.

Os portugueses entre

o sonho de riqueza

e a loucura em São Paulo

Ao longo da investigação forma coletados 8.646 pron-

tuários – os pacientes brasileiros corresponderam a 76%

e os estrangeiros a 24%. Do total de estrangeiros inter-

nados, os italianos mantinham o primeiro lugar com 638

pacientes e os portugueses o segundo posto com 483 in-

ternados. Entre estes últimos, predominavam os homens,

casados, com idades entre os 31 e 35 anos e procedentes

de ofícios urbanos – no entanto, este último dado deve

ser tratado com cautela visto que a maioria dos pacientes

portugueses (230 casos) a profissão não foi informada o

que sugere a retirada destas pessoas das ruas de São Paulo

e seu encaminhamento, pelas mãos da polícia, ao Hospital

do Juquery.

No que concerne aos diagnósticos atribuídos aos portu-

gueses, os predominantes foram: a esquizofrenia (doença

caracterizada por profundas desordens nas faculdades in-

telectuais, afetivas e morais, instalada preferencialmen-

te na juventude) [23], a Sífilis Cerebral (onde a Paralisia

Geral Progressiva, sua forma mais grave, manifestava-se

pelo avanço do

Treponema Pallidum

sobre o organismo

provocando delírios de grandeza e desalento, disartria,

alucinações, deformações pupilares, paralisia facial e dis-

túrbios de mobilidade) [24] e, a

Melancolia

(onde o pa-

ciente apresentava-se deprimido, pessimista, triste e de-

sanimado) [25]. A Sífilis foi eleita um dos grandes flagelos

da vida moderna pelos psiquiatras. Através da leitura dos

prontuários examinados muitos portugueses afirmavam

ter adquirido a doença após relações sexuais em Portugal,

no Brasil ou mesmo em passagem pela África portugue-

sa. A doença evoluía de forma lenta, mas mortal sobre o

organismo.

A relevância de diagnósticos de melancolia entre os por-

tugueses em São Paulo (10% do total dos internamen-

tos) contrasta com os dados obtidos pelo movimento de

entrada nos hospitais psiquiátricos de Portugal. Para o

período compreendido entre 1929 e 1936, a melanco-

lia configura entre os diagnósticos menos frequentes em

Portugal com 4,5% de um total de 21.775 internamentos

em todo o país [26]. Este dado pode sugerir os efeitos da

nostalgia sobre o imigrante e seu desejo de retorno à pá-

tria. Inclusive muitos prontuários de melancólicos refor-

çam esta hipótese com indivíduos que foram internados

pela família por nutrirem, mesmo após anos no Brasil,

desejo de retorno a Portugal, ou, que relataram que co-

meçaram a sentir os sintomas da melancolia meses após

o desembarque em terras brasileiras. Nestes casos, a falta

sentida do país de origem foi medicalizada pela retórica

psiquiátrica.

As principais causas emigração portuguesa, direcionada

maioritariamente para o Brasil, residiam no foro eco-