135
A n a i s d o I HM T
da Malária, sendo Cambournac o sub-Diretor [1,8,16]. A
partir do novo Instituto dedicou-se aos problemas da ma-
lária, da sanidade e da nutrição nas comunidades rurais, à
febre recorrente
4
, à filaríase canina, e identificou e descreveu
novas espécies de insetos [8]. Organizou e dirigiu o primeiro
Curso de Malariologia em Portugal com a duração de dois
meses, em 1939, bem como os cursos nos anos subsequen-
tes, a par do Curso deTécnica de Profilaxia Sezonática. Pro-
moveu ainda as obras de expansão com a construção de um
Hospital [8].Viu o mérito do seu trabalho reconhecido pela
D.G.S. e pela F.R. em dezembro de 1939, ao ser nomeado
Diretor do Instituto de Malariologia, cargo no qual se man-
teve até 1954 [1].
Paralelamente, Cambournac começou a lecionar na cadeira
de Hematologia e Protozoologia do Instituto de Medicina
Tropical (I.M.T.)
5
em 1939, colaboração que manteve no
ano seguinte. Quando em 1941 surgiu uma vaga para pro-
fessor auxiliar da cadeira de Higiene, Climatologia e Geo-
grafia Médicas do IMT, candidatou-se à posição, ocupando-a
em Fevereiro de 1942 [16]. Apoiando-se na sua experiência,
prontamente dinamizou a disciplina remodelando o progra-
ma com o alargamento da componente prática e planeando
um posto meteorológico e um insectário, destinados à cria-
ção laboratorial de insetos para o estudo, a investigação e o
ensino.
No I.M., Cambournac dedicou-se à profilaxia e terapêutica
da malária, ao tratamento da paralisia geral de alienados e
ao tratamento da Neurosífilis assintomática através da técni-
ca de malarioterapia. No I.M.T., foi secretário do conselho
escolar e Diretor da biblioteca e do Laboratório de Análises
Clínicas. Aqui assumiu também as responsabilidades letivas,
a organização e direção do serviço de vacinação contra a
febre-amarela, a preparação dos projetos para a organização
dos Institutos de Investigação Médica nas Colónias e para a
construção de um pavilhão destinado à preparação de vacinas
e soros anti-venenosos [8,16]. A partir de 1944, quando o
I.M.T. retomou as missões científicas ao Ultramar, integrou
várias missões organizadas e realizadas aos territórios portu-
gueses de África e Índia [2,8,16]. Estas missões dar-lhe-iam
a preparação necessária para as missões científicas e diplomá-
ticas que realizaria poucos anos depois.
A escolha de Cambournac
para a O.M.S.
O prestígio científico internacional que Cambournac ad-
quiriu como malariologista e epidemiologista nesta época, a
partir do Instituto de Malariologia e do Intituto de Medicina
Tropical, aliado ao seu temperamento tranquilo, afável e di-
plomático, à sua experiência e às suas ligações à Sociedade
das Nações e à Fundação Rockfeller, levaram-no a represen-
tar Portugal na Conferência Internacional de Saúde, realiza-
da em Nova Iorque no dia 22 de julho de 1946. Cambournac
assinou a Constituição que criou a Organização Mundial de
Saúde, que definiu o conceito de “Saúde” à escala global. Por-
tugal tornou-se assim membro fundador desta organização
[2,8].
Com o início formal de atividade da O.M.S. em abril de
1948, passou a integrar o Comité de Peritos do Paludismo
6
e as delegações portuguesas que participavam nas suas reu-
niões [2,9]. O Instituto de Malariologia que dirigia, colabo-
rava regularmente com a O.M.S. em projetos de luta contra
a malária e recebia bolseiros de diversos países da Europa,
do Médio e Extremo Oriente, e de África, para a frequên-
cia dos cursos por si organizados [8]. Em agosto de 1949, a
O.M.S. solicitou-o para realizar um estudo em África Equa-
torial sobre a malária e outras endemias, que servisse de base
à Primeira Conferência de Malária a ser realizada naquela
região e que a O.M.S. considerava de elevada prioridade.
Não só Cambournac se lançava cientificamente para o terri-
tório africano, como a sua presença no Comité de peritos de
malária lhe permitiu, simultaneamente, colocar o problema
da malária na metrópole portuguesa no contexto da saúde
pública internacional. Em Fevereiro de 1950, escreveu um
relatório sobre aquela doença em Portugal [17], ainda antes
de iniciar a sua viagem de 7 meses pelo continente africano
visitando as administrações dos serviços de saúde da maior
parte dos países. O relatório sobre a malária e outras doen-
ças da África Equatorial foi entregue em outubro de 1950,
um mês antes da realização da Conferência na cidade por
si indicada, Kampala [18,19]. No encontro, foi, então, um
dos vice-presidentes da Conferência da Malária e fez parte
da Comissão que redigiu o relatório dos debates da Confe-
rência [19]. Com base na decisão tomada para se instalar um
escritório da O.M.S. em África, propôs Brazzaville como a
cidade de acolhimento, capital onde seria depois instalada a
sede africana [20].
A par da atividade da O.M.S. em África, surgiu a Comissão
para Cooperação Técnica na África Subsaariana (C.C.T.A.),
estabelecida em 1950 através de um acordo intergoverna-
mental que viria a ser assinado em 1954, com o objetivo de
garantir a colaboração técnica entre territórios. Os Gover-
1 - Designação portuguesa para a malária.
2 - A Fundação Rockefeller foi criada por John Davison Rockefeller (1839-1937)
em 1913 com a missão de “promover o bem-estar da humanidade por todo o mun-
do”
(https://www.rockefellerfoundation.org/our-work/.Website oficial da Fun-
dação, consultado a 15-05-2016). J. D. Rockefeller, tal como outros homens do seu
tempo de que são exemplo Andrew Carnegie e Alfred Nobel, investiu em projetos
filantrópicos que contribuíssem para a melhoria da humanidade, aproveitando a
fortuna acumulada no negócio do petróleo ao qual se havia dedicado. No final do
século XIX, a ciência foi uma área priveligiada do investimento realizado por parte
dos filantropos abastados da época e que se tornariam conhecidos como os cria-
dores da filantropia moderna (Jon Agar,
Science in the Twentieth Century and Beyond,
Polity Press
, 2012).
3 - A colaboração entre o Estado português e a Fundação Rockeffeler decorria
desde 1932, com o objetivo de debelar a doença em Portugal.
4 - Na sequência do seu trabalho, a Borrelia hispânica, transmitida pela carraça
Ornithodorus marrocanus, foi erradicada em 1951.
5- O Instituto de MedicinaTropical foi criado 1935, sucedendo-se à Escola de Me-
dicinaTropical criada em 1902.
6- Sinónimo de malária.