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Introdução
Francisco José Carrasqueiro Cambournac (1903-1994)
formou-se em medicina em 1929 [1], e especializou-se em
Medicina Tropical, desenvolvendo o seu percurso profissio-
nal em torno da malariologia e da Saúde Pública. Frequen-
tou o curso de MedicinaTropical entre novembro de 1930 e
abril de 1931 [2], na Escola de Medicina Tropical de Lisboa
(E.M.T.) [1,3]. O estudo da malária no Ultramar português
a partir da E.M.T., arredado até então pelo protagonismo da
doença do sono, assumia uma relevância progressiva dentro
da Escola. Paralelamente, o estudo e o combate à malária no
contexto metropolitano, que apesar de originarem preocu-
pações desde o início do século XX, até agora insipientes,
assumiam uma importância crescente para a Direção Geral
de Saúde (D.G.S.) e para o seu Diretor, JoséAlberto de Faria
(1888-1958), que demonstrava preocupação e interesse com
esta doença no país [4].
Neste contexto, Cambournac ingressou como médico auxi-
liar na recém-criada Estação Experimental de Combate ao
Sezonismo
1
de Benavente, em maio de 1931, que atuava sob
a orientação do Diretor do Instituto Bacteriológico Câmara
Pestana, Nicolau de Bettencourt (1872-1941) [1,5]. A mis-
são desta Estação era dar início ao combate à malária em Por-
tugal continental, através do apoio terapêutico, do combate
aos mosquitos vetores, da propaganda educativa e da carate-
rização da doença, e formar médicos que pudessem apoiar a
criação de novas Estações de combate à doença noutros pon-
tos do país [4,6]. Logo de seguida, em 1932, e por proposta
de José Alberto de Faria, Cambournac frequentou o Curso
Internacional de Malariologia da Organização de Higiene da
Sociedade das Nações, cujos estudos teóricos decorreram na
Faculdade de Medicina de Paris, seguidos de estágios prá-
ticos em Itália e na Jugoslávia, usufruindo de uma bolsa de
estudos concedida por aquela Organização. Durante este
curso, conheceu conceituados especialistas em parasitologia
e malária, tais como Émile Brumpt (1877-1951), Giuseppe
Bastianelli (1862-1959), Ettore Marchiafava (1847-1935) e
Alberto Missiroli (1883- 1951) [7], e privou com Léon Ber-
nard
(1872-1934), professor da Faculdade de Medicina de
Paris, fundador e representante da Organização de Higiene
da Sociedade das Nações. Seria Bernard quem viria a incenti-
var e influenciar a sua escolha pela malariologia e pela Saúde
Pública [8,9].
Ao terminar o curso de malariologia regressou a Portu-
gal, à Estação Anti-Sezonática de Alcácer do Sal, para dar
continuidade ao projeto de luta anti-sezonática da D.G.S..
Na sequência do seu trabalho, e juntamente com o médi-
co português Fausto Landeiro (1896-1949) que integrava a
Estação de Benavente desde o início da sua atividade. Cam-
bournac iniciou a colaboração com a Fundação Rockefeller
(F.R.)
2
, como representante da D.G.S., em maio de 1933,
num inquérito epidemiológico sobre a malária em Portu-
gal [4,8,10]
3
. A cooperação da F.R. com o Estado português
decorria da participação portuguesa na Organização de Hi-
giene da Sociedade das Nações, com a qual a F.R. colaborava
estreitamente, dando apoio técnico e financeiro, seguindo os
princípios filantrópicos da Fundação americana nos países
estrangeiros [5,11]. O resultado direto desta colaboração foi
a criação da Estação para o Estudo do Sezonismo em Águas
de Moura (E.E.S.A.M.) em 1934 pela F.R., destinada à in-
vestigação e ao ensino da malariologia. A direção da Estação
foi assumida pelo seu representante em Portugal, Rolla B.
Hill, e Cambournac foi convidado para Diretor de campo
[1,8].
A partir da E.E.S.A.M. e com o apoio da F.R., amadure-
ceu e consolidou os seus conhecimentos acerca do combate
e do tratamento da malária, e continuou a sua formação no
circuito internacional, que viria a ser fundamental para os
cargos que ocupou mais tarde no país e no estrangeiro. Com
uma bolsa da Fundação em 1935, frequentou o curso de Hi-
giene e MedicinaTropical na Escola de MedicinaTropical de
Hamburgo, intensificando os seus estudos em entomologia
e estatística aplicada à hereditariedade. Passou depois pelo
Instituto Pasteur de Paris, pelo Instituto Colonial de Ames-
terdão, pela Escola de Higiene e Medicina Tropical e pelo
Instituto Ross em Londres, pela secção de Entomologia do
Museu Britânico e pela secção de Malarioterapia do Horton
Mental Hospital de Epson, com o prolongamento daquela
bolsa.
Cambournac era capaz de conciliar facilmente diferentes
contextos de trabalho, mesmo que geograficamente mui-
to separados. Enquanto dirigia os trabalhos de campo da
E.E.S.A.M. entre 1937 e 1938, encabeçou a fiscalização sa-
nitária das obras de hidráulica agrícola (que decorriam no
país) para a prevenção de infeções maláricas entre os traba-
lhadores; integrou as Comissões do Ministério da Agricultu-
ra que elaboraram a nova Lei da Cultura doArroz; definiu os
princípios para a organização dos Serviços Anti-Sezonáticos
no início de 1938; realizou o curso de Higiene e Medicina
Tropical da Escola de Londres; visitou a Escola de Medicina
Tropical de Liverpool e a Secção de Entomologia do Mu-
seu Britânico [1,12,13]. Aí, contactou com o entomólogo
Frederick Wallace Edwards (1888-1940) de quem recebeu
o apoio para descrição de uma nova espécie de mosquito
do género
Aedes
que encontrou em Portugal [1,14]. Neste
período, foi ainda nomeado representante de Portugal no
III Congresso de Medicina Tropical e Malária realizado em
Amesterdão em setembro de 1938, pelo Instituto para a Alta
Cultura. Assumiu a vice-presidência da Secção de Medicina
Tropical, na sessão dedicada às comunicações sobre Filária
[1], e apresentou uma comunicação intitulada “A Malária e a
Organização da Luta Anti-Malárica em Portugal”, em cola-
boração com Fausto Landeiro e Rolla B. Hill [15].
O reconhecimento da importância da E.E.S.A.M. na F.R. e
pelo Estado português originou a conversão da Estação em
Instituto de Malariologia (I.M.), no final de 1938. O Institu-
to destinava-se à investigação e ao ensino das problemáticas
Políticas e redes internacionais de saúde pública no século XX