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A n a i s d o I HM T
usualmente aqueles que apresentam maior produtividade
científica na área das doenças tropicais negligenciadas.[3]
Contudo, e embora Portugal seja um país com um passado
colonial e uma ligação histórica às ex-colónias africanas (An-
gola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e S. Tomé e
Príncipe), onde as doenças tropicais se assumem como pro-
blemas de saúde relevantes, são inexistentes estudos sobre
a atenção que os media portugueses dedicam ao tema das
doenças tropicais.
Assim sendo, é objetivo deste estudo analisar a cobertura
mediática sobre doenças tropicais nos órgãos de comunica-
ção social portugueses, no âmbito da estratégia de comuni-
cação desenvolvida pelo Instituto de Higiene e MedicinaTro-
pical em torno da organização de um evento técnico-científi-
co dedicado a estas temáticas – o 2.º Congresso Nacional de
Medicina Tropical. Pretende-se, através da análise, aferir o
papel e a preponderância deste tipo de acontecimentos para
influenciar a agenda mediática no sentido de promover uma
maior atenção pública às problemáticas relacionadas com a
saúde tropical. É ainda finalidade deste estudo refletir sobre
novas estratégias para captar o interesse dos profissionais do
jornalismo para as doenças tropicais, tentando contornar o
atual panorama da invisibilidade destas matérias nos media.
A agenda mediática na saúde
As temáticas de saúde nos media são sobretudo dominadas
pela inovação científica, pelas novas descobertas terapêuti-
cas e avanços no tratamento de doenças.As principais fontes
de informação dos jornalistas são as empresas farmacêuticas
que, normalmente através da ação das agências de comunica-
ção, divulgam informação sobre problemas de saúde para os
quais investigam e comercializam medicamentos. As doen-
ças tropicais negligenciadas, como são exemplo a doença do
sono, a doença de chagas, a schistosomose ou a leishmanio-
se, embora causadoras de elevada mortalidade e morbilidade
nos países em desenvolvimento, em particular se considera-
das em conjunto,[4] recebem pouca atenção e financiamento
das autoridades de saúde e quase nenhum investimento por
parte da indústria para o desenvolvimento de terapêuticas
novas, mais eficazes e com menos efeitos adversos [5]. Isto
significa que as doenças subfinanciadas e onde não se regis-
tam investimentos e avanços científicos, como o surgimento
de novas moléculas, raramente figuram nas notícias, sofren-
do de uma crónica falta de visibilidade na arena não só medi-
ática, mas também política e social. Por seu turno, a falta de
conhecimento do público sobre estas doenças, pela ausência
de difusão de informação, contribui, num ciclo vicioso, para
perpetuar a invisibilidade das doenças tropicais negligencia-
das, havendo mesmo estudos que reportam uma correlação
entre a cobertura mediática e o financiamento concedido a
essas doenças. [6]
Os media tem a sua própria cultura profissional, o que os
leva a ter em conta determinados fatores e valores na seleção
das notícias. Numa análise moderna dos designados
fatores-
-notícia
, Harcup refere que, atualmente, os media não pro-
cedem à cobertura noticiosa de um
evento
pelo simples facto
deste afetar um elevado número de pessoas, como acontece
com as doenças tropicais, ou ser considerado “importante”
de alguma forma [7]. Há muitos outros fatores concorren-
ciais na escolha que os jornalistas fazem diariamente sobre
o que é e não é considerado “notícia” - designadamente o
entretenimento e notoriedade das pessoas envolvidas.
Um outro
fator-notíci
a importante é a proximidade cultural
e geográfica ou, em outras palavras, a relevância para os lei-
tores. A (escassa) existência de cobertura noticiosa sobre as
doenças tropicais negligenciadas resulta usualmente da ocor-
rência de surtos e epidemias. Nos casos em que os media
noticiam estes fenómenos, têm, no entanto, a necessidade
de os contextualizar nas realidades nacionais, com interesse
específico para a audiência a quem se dirigem, usualmen-
te enquadrando-os como riscos ou ameaças de saúde para
a população. Também esta lógica no funcionamento do jor-
nalismo contribui para a pouca cobertura das doenças tro-
picais, já que na maioria dos países ocidentais, estas não são
endémicas e não constituem um fator de risco iminente para
a população.
Baseando-se na comunicação veiculada no contexto do 2º
Congresso Nacional de Medicina Tropical, este artigo pre-
tende mostrar que os eventos técnico-científicos na área das
doenças tropicais podem constituir momentos de comuni-
cação valiosos para promover um aumento da sensibilização
pública para estas doenças, promovendo uma maior cober-
tura mediática destas temáticas.
Esta análise tem como objetivo investigar, descrever e anali-
sar a cobertura mediática de temáticas relacionadas com as
doenças tropicais, propulsionada pela comunicação decor-
rente da realização do 2º Congresso Nacional de Medicina
Tropical, organizado pelo Instituto de Higiene e Medicina
Tropical a 22 e 23 de abril de 2013 em Lisboa. O estudo visa
averiguar de que forma a realização de um evento científico
na área das doenças tropicais pode influenciar a cobertura
mediática e pretende estudar como estes eventos poderão
contribuir para uma maior atenção dos jornalistas a estas te-
máticas.
Métodos
A comunicação do 2º Congresso Nacional de Medicina Tro-
pical foi desenvolvida através de diversos contactos com os
órgãos de comunicação social, que envolveram a difusão de
notas de agenda e comunicados de imprensa, a disponibi-
lização de informação e o agendamento de entrevistas em
regime de exclusividade ou não, antes e durante o evento.
As notícias que resultaram desses contactos foram recolhi-
das através de bases de dados eletrónicas, especificamente o