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A n a i s d o I HM T

Como superar as novas doenças tropicais?

Carlos H. N. Costa

Universidade Federal do Piauí

Ex-presidente da Sociedade Brasileira de MedicinaTropical

As doenças tropicais têm sido tradicionalmente identifica-

das como doenças exóticas, rurais. As doenças parasitárias

e as doenças transmitidas por vetores nos trópicos fazem

parte deste imaginário, delineado pelos britânicos na vira-

da do século XIX para o século XX, no auge do colonialis-

mo. O fato determinante foi a criação da London School

of Tropical Medicine por Patrick Manson. A partir deste

momento, numerosos institutos foram criados entre os co-

lonizadores, entre eles, em Portugal, a Escola de Medicina

Tropical, que deu origem ao Instituto de MedicinaTropical

de Lisboa. A essência da Medicina Tropical era o domínio

dos trópicos, seja através da proteção à saúde dos colonos

e das tropas de ocupação. Nestas circunstâncias, as grandes

e decisivas descobertas foram e têm sido feitas pelas na-

ções desenvolvidas, ex-colonizadoras, embora importantes

descobertas tenham também sido feitas por cientistas dos

países tropicais.

Doenças como a malária, a doença do sono, a febre ama-

rela, a esquistossomose e outras verminoses tornaram-se

o paradigma. A elas, agregaram-se doenças não infecciosas

como a desnutrição e os acidentes ofídicos. As origens co-

muns a estas doenças podem ser resumidas na palavra “eco-

-eco”, para denominar a influência do ecossistema determi-

nado pelo clima e da economia determinada pelas relações

políticas internas e globais, com as altas temperaturas e a

pobreza, como as causas últimas das doenças tropicais.

Entretanto, passados mais de um século, o mundo mudou

muito e mudaram o perfil das doenças tropicais. Os avanços

na medicina e na saúde pública tiveram impacto na redução

da transmissão, da morbidade e da mortalidade de muitas

destas doenças, apesar da pobreza e de maus governos, que

limitaram aplicação plena dos avanços científicos nos tró-

picos. Estas mudanças levaram a modificações importante

nas doenças tropicais, com redução da incidência nas áreas

rurais enquanto novos problemas surgiam nas cidades dos

trópicos. As vacinas constituíram-se no ganho científico

de mais dramático efeito, como foi o caso da interrupção

da transmissão da varíola e da poliomielite e a vacina para

febre amarela. A agricultura extensiva para plantios co-

merciais também reduziu a transmissão de várias doenças

parasitárias, como a doença de Chagas e a malária, ao re-

alizar modificações das paisagens naturais, que levaram ao

desaparecimento dos ecótopos naturais de vários agentes

e vetores. Talvez a mais dramática mudança nos trópicos,

mesmo maior que o fim da colonização e do apartheid de

raças ou castas, tenha sido a diáspora do campo para as ci-

dades. Este fenômeno mundial, mais acelerado na América

Latina, a ponto de apenas 15% de sua população ainda viver

no campo, foi disparado por dois fenômenos: o mais fácil

acesso a bens como a assistência à saúde e às oportunidades

de educação e trabalho nas cidades, e, principalmente, ao

prejuízo da agricultura familiar iniciado pelo baixos preços

dos produtos alimentares gerados pela revolução verde,

mais precoce nos países ricos, e ao forte subsídio à agricul-

tura nestes países.

O resultado deste processo foi a migração maciça para as

cidades tropicais, onde não havia oferta de trabalho e não

houve planejamento urbano adequado, o que induziu a for-

mação das favelas. Seguramente, as favelas se constituem

em um dos maiores desafios para o futuro dos trópicos.

Estas aglomerações humanas ocupam geralmente os piores

locais do território peri-urbano tais como encostas, pân-

tanos e locais contaminados. São abandonas pelos Estados

e, em conseqüência direta do abandono, muitas tornam-se

vítimas dos senhores dos crimes e das drogas, gerando vio-

lência, medo e, provavelmente, doença mentais. Esta nova

paisagem, densa e intensa, torna-se um ambiente propício

à emergência de doenças infecciosas urbanas como a den-

gue, o calazar, a leptospirose, a tuberculose e a sida. Hoje

Sessão Solene