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O PAPEL DOS MOLUSCOS NAS HELMINTOSES
MARIA MANUELA P. CALADO (CALADO M.M.P.)
PEDRO MANUEL MACHADO CARLOS FERREIRA (FERREIRA P.M.M.C.)
Grupo de Helmintologia, Unidade de Ensino e Investigação de Parasitologia Médica, Instituto de Higiene
e Medicina Tropical (IHMT), Universidade Nova de Lisboa. Rua da Junqueira, 100, 1349-008 Lisboa,
Portugal. Tel. : 213652600.
:
MCalado@ihmt.unl.pt(Calado MMP).
Unidade de Parasitologia e Microbiologia Médicas (UPMM) / IHMT.
Os moluscos de água doce desempenham um
importante papel no ciclo de vida dos tremátodes,
servindo não só como fonte de alimento e um local
de multiplicação para estes parasitas, mas também
como ummeio de transporte para que estes possam
chegar até ao seu próximo hospedeiro. Os
moluscos representam o segundo maior grupo de
animais em número de espécies, sendo suplantado
apenas pelos artrópodes (Malek, 1980).
Apresentam uma disparidade morfológica sem
comparação entre os demais filos de animais,
evidenciando uma vasta biodiversidade, invadindo
quase todos os ambientes, ocorrendo desde as
fossas abissais até às mais altas montanhas, e da
gélida Antártica, até desertos tórridos. Vários
grupos de bivalves e gastrópodes saíram do mar e
invadiram a água doce e, no caso dos gastrópodes,
o ambiente terrestre. Existem moluscos predadores
(até mesmo de vertebrados), herbívoros, ecto- e
endoparasitas, filtradores e comensais (Malek,
1980).
Entre as sete classes que constituem o filo
Mollusca, a classe Gastropoda é a de maior sucesso
adaptativo, com cerca de 30000 espécies.
Apresentam grande importância médica e
veterinária, uma vez que incluem espécies
hospedeiras intermediárias de parasitas de
humanos e animais (Carvalho
et al.
, 2008). O
envolvimento dos moluscos na transmissão de um
conjunto de doenças parasitárias com prevalência
significativa em países da América Latina e África
é indispensável para que a transmissão da doença
seja feita com sucesso, razão pela qual adquirem
importância destacada, em saúde pública, na
categoria das doenças negligenciadas (Carvalho
et
al.
, 2008).
Das doenças parasitárias transmitidas por
moluscos de água doce, destacam-se a
schistosomose e a fasciolose como as de maior
importância, quer em saúde humana, quer
veterinária. Segundo a Organização Mundial de
Saúde, a schistosomose afeta atualmente mais de
240 milhões de pessoas e cerca de 700 milhões
vivem em regiões onde o risco de infeção é
elevado. Esta parasitose é endémica em 76 países
distribuídos pelas regiões tropicais e subtropicais,
sendo considerada a principal doença tropical
negligenciada e a segunda de maior impacto
socioeconómico em saúde pública, apenas
ultrapassada pela malária (Aly
et al.
, 2010; Hotez e
Fenwick, 2009; WHO, 2003).
Com o objetivo de melhor compreender a
relação entre as diferentes espécies de tremátodes
pertencentes ao género
Schistosoma
e os moluscos,
seus hospedeiros intermediários, muitos foram os
trabalhos realizados durante as últimas seis décadas
em Portugal. A identificação do foco português da
schistosomose (Azevedo
et al.
, 1948), a descrição
de um novo molusco, hospedeiro intermediário de
Schistosoma haematobium
em Portugal (Azevedo
e Xavier, 1966), os subsídios para conhecimento e
identificação dos hospedeiros intermediários de
schistosomose humana em Angola (Carvalho e
Janz, 1960; Grácio, 1977/8), e a contribuição para
o estudo dos gastrópodes de água doce de Portugal
(Medeiros e Simões, 1987) e Moçambique
(Morais, 1956), foram alguns dos trabalhos que
contribuíram para clarificação do papel dos
moluscos enquanto hospedeiros intermediários
destes parasitas.
Nas últimas duas décadas, o desenvolvimento
das técnicas de biologia molecular levou a novos
desafios e avanços no estudo dos moluscos. Novos
inquéritos malacológicos em Portugal e Angola
permitiram a caracterização bioecológica e de
variabilidade genética dos moluscos pertencentes à
espécie
Bulinus globosus
de Angola (Velez, 2010),
à caracterização molecular de moluscos do género
Helisoma
sp. (Figura 10A), potenciais hospedeiros
intermediários de tremátodes introduzidos em
Portugal e noutras partes do globo por aquaristas
(Correia, 2011).
Estudos sobre a distribuição geográfica e
variabilidade genética de
Planorbarius metidjensis
(Figura 10B) e
Bulinus truncatus
(Figura 10C) de
Portugal (Calado, 2008), com recurso a marcadores